Cabra da peste do rap
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“Sou do Nordeste / Peixeira na mão, eu sou cabra da peste / Não olha pro lado, isso aqui não é teste”. Os versos que poderiam botar até o Rei do Cangaço, Lampião, pra correr, parecem ser cantados por um sujeito para lá de marrento.
De fato, o rapper cearense Welisson está nesse lugar, mas no melhor sentido da palavra. Aos 17 anos, ele representa a essência do povo nordestino: é alegre, simpático e cheio de garra! Uma determinação que faz dele o “cabra” do rap, ao emplacar os hits: “Cabra da Peste” e “É Tão Bom”. Os clipes das canções somam mais de 10 milhões de acessos.
Ambas as músicas foram gravadas em seu próprio quarto. “As coisas têm a hora certa para acontecer. Produzi com equipamentos básicos. Hoje, o orçamento do que tenho em casa não chega a R$ 400,00. Consigo realizar tudo que quero daqui. É meu cantinho da criatividade. Mas óbvio que tenho a intenção de melhorar cada vez mais”, revela, por telefone, ao AT2.
Mesmo com o sucesso que levou o artista a gravar “Vem Pra Tropa” para o projeto “Tropa do Bruxo”, de Ronaldinho Gaúcho, Welisson soa humilde ao afirmar: “Sou meu próprio fã”. E justifica: “Se eu não acreditar em mim mesmo, quem vai acreditar?”. Na sexta, ele lança novo single: “Brinde Pros Verdadeiros”.
Welisson - Rapper “Quero quebrar todos os tipos de tabus”
AT2: Como a música apareceu na sua vida?
Welisson: Minha mãe escutava muito MPB quando eu era menor, mas o contato com o rap veio mais tarde, quando meu irmão, como chamo meu primo mais velho, comprava CDs de Racionais e Sabotage.
Sempre tive curiosidade em saber como gravavam uma voz em cima do beat e isso fez eu me interessar de verdade pelo rap. Fazia as músicas por diversão e, há uns 3 anos, quis levar isso como um trabalho e tentei profissionalizar ao máximo. Faço minha própria captação, no meu quarto, e mando para os produtores fazerem a mixagem. E fico na videochamada falando o que quero melhorar, o que curti.
Quando viu que estava no caminho certo?
As coisas apenas aconteceram. Não me importo com fama, com o dinheiro, nem com os contatos que vou conseguir. Me importo somente em fazer meu trabalho bem feito e levar o Nordeste para patamares onde as pessoas nunca imaginariam que ele iria estar, porque sei as dificuldades que o povo daqui já passou em relação à xenofobia. Quero quebrar todos os tipos de tabus relacionados a isso. Gosto de trabalhar no estilo corda: subir para puxar outras pessoas da minha região também. São artistas que têm talento, mas que, infelizmente, não têm tanta oportunidade.
Em “Cabra da Peste”, canta sobre um nordestino cheio de marra. Por que trazer essa visão?
Você pode até achar estranho, mas tenho 17 anos e acredito que a música é um meio de comunicação. Se eu não a uso para passar algo relevante, que conte a minha história e que as pessoas se identifiquem e sintam no peito o que estou falando, acredito que minha música foi em vão.
Em “Cabra da Peste”, quis levar para as pessoas como o nordestino é. Exaltar essa onda de uma pessoa marrenta, batalhadora, porque é assim que o nordestino é. Apesar de todas as dificuldades, achei um meio de fazer as minhas músicas.
Sei que a base do trap é falar sobre armas, mulheres, dinheiro, drogas e coisas do tipo, mas acredito que consigo misturar as duas coisas, sem fazer apologia a nada, nem exaltar algo que não tenho.
Professores estão usando a letra do hit em atividades. Imaginava que chegaria às escolas?
Nem acreditava que a música ia passar de 100 mil visualizações em um mês. Pensava que, se em um mês a gente batesse essa meta, nossa, ia ser o ápice! Ia estourar um litro de cajuína pra comemorar! (Risos) Só que estourou do nada! Quando vi que as escolas estavam usando a letra de “Cabra da Peste” para repassar sobre a cultura nordestina, me senti realizado.
Viveu em um cenário desafiador?
Sou filho de mãe solteira, então as coisas não foram tão fáceis. Minha mãe trabalhava das 6h às 20h para poder nos sustentar. Uma parte da música foi inspirada nela. É uma pessoa muito batalhadora, morro de orgulho dela! Se precisasse, ela trabalhava em feira, bordava, fazia de tudo. Então, sempre vivenciei esse espírito de batalhar, de fazer as coisas acontecerem.
Hoje, você sustenta a casa?
A galera se ilude muito, pensa que, por ter alguns milhões de visualizações, a gente já consegue ganhar muito dinheiro, mas, infelizmente, não é assim que funciona. Mas já consigo, sim, ajudar. Lembro que, quando consegui transferir R$ 200,00 pra minha mãe pela primeira vez, eu quase chorei de alegria. Foi uma conquista!
Está se sentindo o “cabra” do rap?
É, basicamente isso! (Risos) Sou o “Cabra da Peste”. Carrego minha região no peito e não largo por nada!
O que ele diz
Inspirações
“Sempre escutei muito forró, desde os antigos, como Luiz Gonzaga, até os mais atuais. É algo que representa as minhas raízes. Dentro da cena rap, curto Predella, do Costa Gold, Racionais, Matuê, Jovem Dex, Travis Scott e A Boogie Wit Da Hoodie.
Também ouço Ludmilla, Xamã e Anitta, que conseguiu palcos internacionais e isso deixa qualquer artista nacional com aquele gostinho de 'quero chegar lá um dia'. Ela não é só uma referência musical, mas também de planejamento de carreira”, afirma.
“Brinde Pros Verdadeiros”
Na sexta, o cearense lança “Brinde Pros Verdadeiros”, que trata sobre a realidade das pessoas com deficiência.
“Acho errado essas pessoas não poderem participar de uma forma ativa no mercado musical. Elas têm o direito de participar de qualquer evento, de assistir a qualquer clipe! Tenho um amigo que sofreu um acidente de moto e perdeu as duas pernas. Assim que tivemos a ideia da música, ele foi o primeiro para quem liguei: 'Irmão, você vai participar do clipe'. E, no vídeo, ele interagiu, vibrou, faltou só flutuar de tão alegre que estava. Também estamos trazendo um intérprete de Libras para o clipe”, salienta.
Inclusão
“Quero, cada vez mais, trazer inclusão para todo tipo de público. Fazer com que essas pessoas se sintam à vontade escutando a minha música e indo a eventos que tenham meu nome”.
Ronaldinho
Ao lado de Fabin, Welisson gravou “Vem Pra Tropa”, atual single do projeto “Tropa do Bruxo”, de Ronaldinho Gaúcho.
“Sempre gostei de jogar bola na rua com meus amigos, então assistia muito aos vídeos dele! Quando surgiu a oportunidade para participar desse projeto, meus olhos brilharam. E a gente atravessou o País para gravar. Foi algo muito cansativo, mas que faria 10 vezes de novo”, destaca.
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