O que vai mudar nas viagens de avião com fusão entre Azul e Gol
Especialistas veem possível concentração de mercado e limitação da concorrência com a união, cuja meta é dar sobrevida às empresas
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A decisão da Azul e da dona da Gol, o grupo Abra, de formalizar a intenção de unir os negócios pode criar uma gigante da aviação brasileira, com 60,3% de participação de mercado. E com a fusão, pode haver mudanças nos preços das passagens.
A advogada especialista em reestruturação empresarial Gabriela Campostrini explicou que a ideia é ainda embrionária e condicionada à conclusão do plano de reestruturação da Gol no âmbito do Chapter 11 da Lei de Falências dos Estados Unidos, com o objetivo de evitar execução de suas dívidas em torno de R$ 20 bilhões.
Mas que está em jogo questões como o princípio da livre concorrência, garantia de acessibilidade, qualidade dos serviços e preços justos aos consumidores, por exemplo, destacando que decisão dependerá do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
A advogada e diretora jurídica operacional na LiberFly Juliana Ferrari afirmou que a fusão entre as empresas enfrentará desafios de aprovação pelo Cade.
“Embora possa trazer maior eficiência e ampliação da malha aérea, a concentração de mercado preocupa, podendo limitar a concorrência e impactar preços e opções para os passageiros”, reforçou.
Juliana disse que caso seja aprovada, acredita ser prudente que o Cade imponha condições rigorosas para minimizar impactos negativos aos consumidores e garantir o equilíbrio no mercado.
Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade e professor da FGV Law, disse ao jornal O Globo que a fusão afasta o apetite pela entrada de novos concorrentes. Num primeiro momento, os preços das passagens podem até apresentar alguma competitividade e até mesmo redução, mas, no futuro, isso pode se reverter.
Em nota enviada para a reportagem, o CEO da Azul, John Rodgerson, disse que “essa combinação de forças proporcionaria a oportunidade de fortalecer o setor, aumentando o número de voos oferecidos, alcançando mais de 200 cidades atendidas no Brasil e a capacidade de competir em um setor altamente globalizado”.
Em outro trecho, a nota disse que “o aumento da conectividade e a criação de empregos são alguns dos muitos resultados positivos esperados deste acordo, , além de oferecer um serviço de alta qualidade e a busca pela melhor relação custo-benefício para o consumidor”.
Pior cenário seria falência, diz ministro dos aeroportos
O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, disse que encara a possível fusão das companhias aéreas Gol e Azul como uma “federação partidária”, com manutenção de autonomia financeira e governança.
Segundo o ministro, “o pior cenário para o Brasil seria que essas empresas quebrassem”.
Para Costa Filho, o governo precisa oferecer uma “mão amiga” para fortalecer o setor e preservar empregos.
“Eu encaro essa possível fusão, se o Cade avaliar, meio como uma federação partidária. Eles vão se fortalecer, pensando no fortalecimento da aviação brasileira. Mas, pelo que entendi, eles vão querer preservar as suas autonomias financeiras e de governança”, disse.
E continuou: “qual nosso intuito? É que a gente possa continuar na agenda do fortalecimento da aviação brasileira. O pior cenário para o Brasil seria que essas empresas quebrassem. Acho que é o pior cenário para o País”.
Segundo Costa Filho, a pasta não vai permitir o incremento no preço das passagens aéreas, que podem até cair. “Tanto Anac quanto o ministério, todo nosso conjunto estará vigilante em relação ao preço da passagem aérea, para que isso não aconteça (o aumento)”.
Costa Filho disse que o governo não vai aceitar aumentos abusivos, mas ressaltou que o governo não pode intervir no preço da passagem. “A gente espera que possa haver solidariedade das companhias em relação aos preços, que é o que tem acontecido”, disse.
O ministro disse ainda que a possível fusão pode levar a um aumento no número de destinos, transferindo aviões que se sobreponham em alguns destinos atendidos por ambas as empresas, Azul e Gol, e que vai se reunir com as empresas na próxima semana, quando a possível fusão deve ser detalhada.
ENTENDA
Fusão entre as companhias
> A Azul e a Abra, investidora majoritária da Gol e da Avianca, anunciaram que assinaram um Memorando de Entendimento (MoU) não vinculante com a intenção de combinar seus negócios no Brasil.
> Se acontecer a fusão, as duas empresas teriam, juntas, participação de mercado de 60,3%, ou seja: a cada dez voos comerciais no País, seis seriam da nova empresa.
> Segundo as empresas, a estrutura pretendida, resultado de uma combinação da Azul e da Gol, posicionará o Brasil em um nível maior de força global em um setor altamente globalizado.
> O objetivo da combinação de negócios é promover o crescimento da indústria aeronáutica brasileira, por meio de mais destinos, rotas, conectividade e serviços aos consumidores, com aumento da oferta de voos domésticos e internacionais.
> As duas empresas têm aproximadamente 90% de rotas complementares e não sobrepostas. Embora o MoU preveja a unificação da estratégia, espera-se que as companhias aéreas mantenham seus certificados operacionais e, portanto, suas marcas e operações separadas.
Cade
> O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) informou que “por enquanto não foi feita uma solicitação formal ao conselho”.
> A apresentação ao Cade deve acontecer em quinze dias, através de um formulário que exemplifica a proposta da operação.
> A partir daí, o órgão tem três alternativas: aprovar totalmente; aprovar com restrições — como obrigar a venda de slots (permissão para pousos e decolagens em aeroportos de grande movimentação), manutenção de um número determinado de voos para certos destinos — ou reprovar a união.
> Em relação ao prazo, o Cade terá até 240 dias para fazer a análise, podendo prorrogar o prazo por mais 90 dias, a depender da decisão.
Possíveis impactos
> Embora a fusão possa trazer maior eficiência e ampliação da malha aérea, a concentração de mercado preocupa, podendo limitar a concorrência e impactar preços e opções para os passageiros.
Fonte: Azul, Gol, Agência O Globo e especialistas consultados.
Prometido mais voo internacional
As ações da Azul e da Gol operavam em forte alta ontem, após a notícia de uma possível fusão entre as duas companhias aéreas. As ações da Azul disparavam mais de 4% e as da Gol subiam cerca de 6%.
A Gol está listada na B3, a Bolsa de Valores brasileira, sob “Outras Condições” devido ao pedido de reestruturação nos EUA. O grupo Abra, controlador da Gol e Avianca, assinou um memorando de entendimento com a Azul para unir negócios no Brasil.
Holding de companhias aéreas latinas dona da Gol e da Avianca, o Grupo Abra será o maior acionista individual da companhia que vier a ser formada com a união.
O Chief Financial Officer (CFO) da Abra, Manuel Irarrázaval, disse que a eventual união das duas empresas, que passarão a deter 60% no mercado doméstico brasileiro, ainda que mantendo as marcas separadas, deverá levar a um crescimento de voos internacionais.
“As empresas terão a melhor conectividade do País, então será um passo natural expandir a operação internacional”, afirmou.
O CFO da Abra defende que a operação se justifica tanto para os acionistas quanto para o consumidor brasileiro por proporcionar um ganho de escala — aumentando o poder de compra junto a fornecedores e oferecendo uma malha mais conectada.
“A complementaridade das operações torna essa união mais atraente para nós, obviamente, mas também para os consumidores”, ressaltou.
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