Empresa oferece 700 reais pela “digital dos olhos”
Empresa criada pelo cofundador do ChatGPT oferece valor em moeda digital a quem “vender” dado da íris, que é escaneado em São Paulo
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Uma empresa está oferecendo R$ 700 para quem aceitar “vender” a íris de seus próprios olhos. O projeto, da WorldCoin, escaneia a íris com o consentimento do usuário e completou 2 meses de operação no Brasil, mas enfrenta incertezas, especialmente por não detalhar quais informações são coletadas.
Em troca dos dados, considerados sensíveis, os participantes recebem pagamentos em criptomoedas emitidas pela própria empresa, no valor de R$ 700 na cotação atual.
A WorldCoin foi criada pelo cofundador da OpenAI, criadora do ChatGPT, Sam Altman. A Tools for Humanity administra o projeto, que se define como uma rede que desenvolve uma identidade digital baseada na leitura da íris, capaz de distinguir humanos de robôs.
O projeto começou a operar oficialmente no Brasil no dia 13 de novembro. Mais de 150 mil brasileiros já participaram da iniciativa, e as coletas ocorrem apenas em São Paulo. Os dados biométricos são coletados pela “OrB”, uma câmera 3D que mapeia o rosto e até a temperatura corporal do usuário.
A empresa afirma que as imagens da íris são deletadas e substituídas por um código anônimo. Damien Kieran, Chief Privacy Officer da Tools for Humanity, afirma que, diferentemente da impressão digital ou do rosto, a íris seria um dado mais difícil de ser falsificado por uma IA, e por isso poderia ser mais eficiente para distinguir humanos de robôs.
Apesar disso, a advogada de Direito Digital, especialista em proteção de dados, Renata Yumi Idie, afirma que o projeto vem sendo criticado pela falta de detalhes sobre como vai tratar outras informações que coleta. A especialista também explica que o consentimento para o uso dos dados, de acordo com a legislação, precisa ser livre de remunerações.
O governo federal, por meio da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), abriu um processo para fiscalizar as operações do WorldCoin no Brasil, após a informação da venda da íris viralizar.
Ainda segundo a ANPD, a coordenação já recebeu “todas as informações e documentos” que foram exigidos da Tools for Humanity, a empresa por trás da WorldCoin, com o envio ocorrendo “dentro do prazo estabelecido”. Agora, “os documentos estão sob análise da equipe da Coordenação de Fiscalização. Não há um prazo definido para conclusão da análise”.
Saiba mais
Máquina chamada Orb faz registro da íris
Prova de humanidade
É dada a partir do Orb, uma máquina que conta com uma espécie de câmera fotográfica. O Orb é o responsável por fazer o registro da íris dos usuários. Depois que o registro é feito, os usuários ganham o World ID e a garantia da empresa de que são humanos.
A princípio, porém, não haveria um incentivo claro para realizar esse tipo de registro. E é aí que entra a recompensa em dinheiro.
Na verdade, os usuários recebem uma quantia determinada em worldcoins, a criptomoeda nativa do projeto.
No momento, 1 unidade de worldcoin equivale a US$ 2, com uma capitalização de mercado de US$ 1,7 bilhão e figurando entre as 75 criptos mais valiosas do mundo.
Recompensas a usuários
A lógica por trás do projeto reflete a chamada Web3, a próxima geração da internet.
A ideia é que os usuários recebam recompensas como forma de incentivo não apenas para a participação em projetos, mas também para cederem seus dados.
O argumento é que na geração atual da internet, a Web2, os usuários já fariam tudo isso sem receber nenhuma recompensa monetária.
Nesse sentido, a Tools for Humanity afirma que o processo de registro de íris não seria uma "venda", mas sim uma operação com posterior recompensa como forma de atrair e engajar usuários.
O valor é dividido em duas partes: uma metade é dada logo após o registro e a outra é distribuída de forma fracionada, ao longo de 12 meses. O montante pode ser sacado pelo aplicativo do projeto.
Projeto já foi proibido ou investigado em outros países
Apesar das vantagens, a escolha do registro de íris também gerou críticas e preocupações ao redor do mundo. O motivo é que essa parte do olho humano é um dado biométrico sensível e imutável. Em caso de vazamentos ou de uso inapropriado do dado, o impacto seria permanente para o usuário.
Desde que foi lançado, o WorldCoin já foi proibido, multado ou investigado em diversos países, como Espanha, Portugal, Hong Kong e Quênia, exatamente por causa disso.
Entretanto, a empresa afirma que os reguladores ainda não entenderam como funciona o processo de registro e que, na prática, o projeto não armazena nenhum dado de íris.
No final do ano passado, por exemplo, A BayLDA, autoridade de proteção de dados da Baviera, na Alemanha, determinou a exclusão de dados coletados pela WorldCoin.
A BayLDA é responsável por analisar o tratamento de dados da World na União Europeia porque a sede do projeto no continente fica na Alemanha. O órgão informou que começou a revisar a atuação da WorldCoin em abril de 2023.
A WorldCoin informou que os resultados da investigação conduzida pela BayLDA estão, “em grande parte, relacionados a operações e tecnologias que já foram descontinuadas ou substituídas em 2023”.
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