Quem é corrupto
Artigo publicado na coluna Tribuna Livre, na versão impressa do jornal A Tribuna
Você já leu algum relatório mundial sobre a corrupção? O Brasil é historicamente constatado como um dos países mais corruptos do mundo. Aqui e ali, lá e acolá, somos humilhados com a reprovação de humanos oriundos daqueles povos ditos “mais corretos” – pelos jornais ou mesmo nas ruas.
Humildemente, desafio tais relatórios – qualquer um cujas conclusões tenham sido semelhantes. Afirmo – sem receio de errar – que ao fim do cabo a corrupção que nos flagela e envergonha é praticamente uniforme pelo planeta afora.
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Esqueçamos os números e gráficos presentes em todos esses estudos e foquemos na realidade do mundo, que os suplanta e deles expõe a hipocrisia.
Começo pelos seis milhões de africanos mortos em uma guerra provocada, segundo consta, por 157 empresas ocidentais sedentas por um mineral azulado chamado coltan, vital para a indústria eletrônica. Este conflito não seria possível sem a participação cúmplice de governos. Pois é. Veja que não há uma única empresa brasileira envolvida nisso – e muito menos o governo brasileiro.
Reflita agora sobre as tantas outras guerras que flagelam a humanidade, a maior parte delas fruto da cobiça de corporações que transformaram governos de países inteiros em meros departamentos. Olhem só: nosso país está em paz, distante desta corrupção tão mais sangrenta.
Nossa escala seguinte será no trabalho escravo. Na escravidão de milhões de miseráveis, muitos deles crianças, produzindo riquezas para países ditos “menos corruptos” e “de maior moralidade” sob o olhar omisso e cúmplice – corrupto, pois – de governos e povos inteiros. Também nesta seara não tenho notícia de que o Brasil esteja a explorar o trabalho escravo de crianças africanas.
Chego, finalmente, às crises econômicas globais engendradas por alguns poucos, com a participação de autoridades dos mais diversos níveis.
Lançam na miséria idosos e crianças pelo planeta afora. Custam a vários povos – curiosamente aqueles ditos “mais corruptos” – a felicidade de gerações inteiras. E nada acontece nem com as poderosas instituições que as causaram nem com as autoridades que as blindaram contra a justiça. Pense bem: qual a posição do Brasil neste cenário sinistro? Temos sido agentes do mal e da corrupção ou vítimas?
Fico a recordar uma frase de Alfredo Nicéforo, segundo quem “o mal e a dor não se volatilizam sob a chama abrasadora do progresso humano. Transformam-se”. Eis aí, sem retoques, o quadro em toda sua extensão.
No Brasil a corrupção chula e escancarada. Em países mais ricos uma outra, mais refinada e infinitamente discreta. E em outros de pobreza extrema a violenta e pessoal. Haverá, claro, exceções a esta regra – mas daquelas que apenas fazem confirmá-la.
Não estou, com estas palavras, a absolver o Brasil ou a condenar outros povos – e fique isto muito claro. Apenas estou a ponderar que enquanto seres humanos deveríamos estar todos cabisbaixos, pois que a vergonha é universal. Afinal, como exclamava Albert Camus, “já é vender a alma não saber contentá-la”.
PEDRO VALLS FEU ROSA é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado (TJES)