Trump, ou o fim da democracia americana
Coluna foi publicada no domingo (26)
O julgamento do processo criminal contra Donald Trump chega à fase decisiva nos próximos dias. Os julgamentos dos outros três processos estão sendo protelados e é possível que só sejam julgados depois das eleições presidenciais de novembro próximo. Isso aumenta a importância deste primeiro processo, em que ele é acusado de fraude contábil, pela falsificação de 34 documentos, para ocultar um pagamento de 130 mil dólares à atriz pornô Stormy Daniels, com a qual teria tido uma relação sexual.
O dinheiro para o “cala a boca” teria sido retirado dos fundos da campanha presidencial de Trump e repassado à atriz por Michael Cohen, advogado e faz-tudo de Trump na época. As considerações finais da acusação e da defesa serão no dia 28, terça-feira próxima, e a partir de quarta-feira os jurados deliberarão sobre o caso histórico, em que pela primeira vez um presidente americano é réu num processo criminal. A pena máxima é de um ano de prisão.
Mesmo se for condenado, Trump poderá concorrer às eleições presidenciais de novembro vindouro. No sistema americano de “common law”, a mais importante fonte jurídica não são as leis, e sim os precedentes. No caso, o precedente é o de Eugene Dibs, que concorreu à presidência em 1920, enquanto estava preso por contestar a lei de alistamento militar obrigatório na Primeira Guerra Mundial. As semelhanças param aí.
Candidato do inexpressivo Partido Socialista americano, Dibs nunca teve a menor possibilidade de se eleger, mas Trump tem o Partido Republicano na mão, já se elegeu uma vez e aparece na frente de Joe Biden nas últimas pesquisas de opinião.
Analistas políticos de todo o mundo perguntam-se sobre o que aconteceria num segundo mandato presidencial de Donald Trump. Este, como sempre, alimenta as especulações com declarações retumbantes. Meses atrás, admitiu que seria ditador “apenas por um dia”, para demolir com uma canetada o “arcabouço socialista que emperra a economia”.
Mais recentemente, começou uma longa entrevista à revista Time afirmando que usaria as forças armadas para deportar imigrantes, embora militares americanos não possam ser legalmente mobilizados contra civis.
Os analistas associam comentários desse tipo com o projeto da Heritage Foundation, que analisei num outro artigo publicado neste jornal, e chegam a conclusões preocupantes, como, por exemplo, a de que as eleições de novembro poderão ser as últimas nos Estados Unidos.
Entre as vozes mais influentes está a de Robert Kagan, cientista político que atuou no governo Ronald Reagan e que, por isso, não é associado aos Democratas. Em livro recentemente lançado, Kagan recorda que na sua primeira tentativa de concorrer à presidência, em 2011, Trump assumiu ser o porta-voz dos “white supremacists”, aqueles que, como os membros da Ku Klux Klan e os neo-nazistas, consideram os brancos superiores às outras raças. Os supremacistas, a exemplo de outros radicais da direita, nunca tiveram compromisso com a ideia e os valores da democracia, mas sempre estiveram presentes na política americana.
São eles que agora se apossaram do Partido Republicano, e têm em Trump o cabeça de proa ideal para se apossarem da Casa Branca, de preferência abolindo o artigo da Constituição americana, que limita a dois o número de mandatos presidenciais (esta é, aliás, uma das prioridades do projeto da Heritage Foundation).
Trump, ao ver de Kagan, tem a volúpia do poder e, com a experiência do primeiro mandato, a simpatia da Suprema Corte e o controle total do Congresso, vai fazer o que lhe der na telha assim que reentrar na Casa Branca.
Seria um erro crasso qualificar todos os Republicanos de radicais da extrema direita. Pelo contrário, em sua grande maioria eles são cidadãos equilibrados, cônscios dos valores do “American way of life”, ainda que em geral valorizem mais a liberdade econômica e a iniciativa privada do que com os direitos humanos e a responsabilidade advinda da liderança global.
Outra característica dos Republicanos é a de que, em comparação com os Democratas, eles são mais disciplinados, ou acomodados às regras vigentes e, em consequência, tenderão a votar no candidato que o partido indicar.
Com isso, aumentam as chances de um segundo mandato de Trump, o que terá repercussões no mundo inteiro. Por isso, é de nosso interesse acompanhar de perto a campanha presidencial americana.