G20 e o trabalho bem-feito
Lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza é mais uma demonstração da capacidade do Itamaraty para moldar consensos dinâmicos
A diplomacia brasileira termina a semana com um sorriso largo e um suspiro de alívio. Deu tudo certo na cúpula do G20. O lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza é mais uma demonstração da capacidade do Itamaraty para moldar consensos dinâmicos, mesmo em condições desafiadoras.
Num momento em que o sistema multilateral se apresenta desgastado e contestado por muitos apologistas do mercado, a ideia de unir a comunidade internacional em torno de soluções tradicionalmente associadas à sensibilidade da esquerda poderia parecer ingênua e inoportuna. No entanto, a Aliança foi aprovada por consenso pelos 19 países mais ricos do mundo, além da União Europeia e da União Africana. Colocar em prática os seus preceitos será decerto trabalhoso, mas a causa vale o esforço.
A cúpula do G20 é apenas a chave de ouro do trabalho que o país detentor da presidência precisa desenvolver ao longo do ano para viabilizar as propostas que vão constar do documento final. Nossos diplomatas vinham trabalhando intensamente, junto a outros órgãos do governo, como os Ministérios da Fazenda, Meio Ambiente e Desenvolvimento Social, para construir propostas em torno daquelas que foram consideradas nossas três prioridades para esta ocasião, que eram, além da fome e da pobreza, as questões climática e da governança global.
Em seguida, as embaixadas e outras Missões no exterior mantinham conversas com outras chancelarias, a fim de identificar os pontos de contato a ampliar, e os de atrito, a minimizar. É assim que o Itamaraty trabalha.
Desta vez, as dificuldades eram muitas. Para início de conversa, não se sabia como os americanos se comportariam, depois da vitória eleitoral de Trump. Não era tampouco previsível o comportamento de Javier Milei, sobretudo diante da ideia de taxação das grandes fortunas. Acabou dando tudo certo, Biden e sua equipe se mostraram cooperativos, enquanto Milei, depois de alguma resistência inicial, saiu mais cedo, em notório anonimato.
A aprovação consensual do comunicado final foi a recompensa para um trabalho bem-feito. Trabalho que prosseguirá em ritmo acelerado. A presidência do G20 em 2025 caberá à África do Sul, país com o qual construímos, há muitos anos, uma exemplar cooperação diplomática, e que é também nosso parceiro no BRICS, cuja presidência ocuparemos a partir de 1 de janeiro.
No BRICS, teremos, igualmente, a companhia da China, depois de darmos, com a visita de Xi Jinping, um salto de qualidade revigorante nas relações bilaterais. O estilo peculiar dos chineses privilegia o planejamento a longo prazo, em torno de megaprojetos estruturantes, em que deverá se assentar a evolução do relacionamento. É quase o oposto do voluntarismo americano, muito orientado em direção de objetivos pontuais. Xi Jinping elevou a relação com o Brasil, que era qualificada de Parceria Estratégica, ao nível de parceria na Comunidade do Futuro.
Nesse contexto, o relacionamento entre os dois países será orientado principalmente para as áreas de saúde, inteligência artificial, economia digital, tecnologia aeroespacial, infraestrutura sustentável e transição energética.
Por outro lado, não aderimos à Belt and Road Initiative (BRI), ou Nova Rota da Seda. Assinamos quase quarenta acordos bilaterais, fomos promovidos à Comunidade do Futuro, mas mantivemos nossa autonomia e liberdade de movimentos, permanecendo fora da moldura específica da BRI chinesa.
A preocupação com os temas ambientais se destaca tanto no trabalho desenvolvido no G20, quanto nas tratativas com a China. É de prever que estará na berlinda também na nossa atuação no BRICS e, naturalmente, na presidência da COP-30, que hospedaremos em novembro de 2025. Nossas credenciais para ocupar os mais altos postos de uma governança mundial renovada estão sendo evidenciados pela nossa atuação nesses eventos.
Em suma, uma semana perfeita. Não faltou a cereja do bolo, providenciada pela apresentação do relatório da Polícia Federal sobre os crimes cometidos na esteira da tentativa de golpe contra o governo eleito do presidente Lula. Diante dos olhos, e das câmeras, do mundo, o Brasil deu ali a demonstração cabal de nossa maturidade democrática e da excelência de nossas instituições.
JOSÉ VICENTE DE SÁ PIMENTEL é nascido em Vitória, é embaixador aposentado