Vendedora faz 10 cirurgias e luta pela cura após infecção por bactéria
Aparecida Pope foi contaminada por micobactéria após cirurgia para retirada de nódulo benigno no seio e troca do implante de silicone
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Há um ano e sete meses, as consequências de uma infecção por micobactéria após uma cirurgia plástica ainda são vistas em cicatrizes, buracos e deformidades na pele da vendedora Aparecida Pope, 55 anos.
Mas as dificuldades vão muito além das marcas visíveis: já foram 10 cirurgias de lá para cá, longos períodos de internação, muita dor e tratamento psiquiátrico. E o pior: ainda não conseguiu a cura para a infecção pela bactéria resistente.
Aparecida contou que decidiu buscar um cirurgião plástico para fazer uma cirurgia de retirada de um nódulo benigno no seio e a troca do implante de silicone em janeiro do ano passado.
Segundo ela, logo após o procedimento, já informou que estava sentindo muita dor. “A todo o momento, o médico dizia que era normal. Mas já tinha feito a cirurgia outras vezes e eu sabia que não estava normal. Fui para casa e, no final da semana, comecei a ficar muita fraca, com quedas de pressão. Desmaiei e fui levada a um pronto-socorro”.
Como mora em Venda Nova do Imigrante, Aparecida contou que o médico pediu que voltasse para a clínica onde foi feita a cirurgia, na Grande Vitória, para iniciar o tratamento da infecção. “Foram dando antibióticos, mas não adiantava, pois ainda não sabiam qual era a bactéria. O médico então resolveu retirar uma das próteses. No dia seguinte, retirou outra”, contou.
Segundo ela, mesmo com a retirada e limpeza, os buracos provocados pela micobactéria continuavam a abrir nos seios, com muita secreção.
“Passei o ano passado praticamente todo internada, em plena pandemia. Minha vida parou. Meu marido teve de parar de trabalhar. Ainda faço tratamento psiquiátrico, pois tenho medo de ficar no meio de pessoas. Desenvolvi síndrome de pânico, ansiedade”.
Para a vendedora, o que ainda a preocupa é que ainda apresenta complicações, com necessidade de uma nova cirurgia. Hoje, ela busca um acordo com o médico para ressarcir os prejuízos.
“Ele não assumiu a responsabilidade. Em janeiro deste ano, quando comecei a apresentar nova piora, mandei mensagem para a equipe e eles só me retornaram em abril. Tive de procurar outro profissional. Eles não sabem a dor que passo até hoje. Tenho de tomar medicação fortíssima todo dia”, afirmou.
Entrevista com Aparecida Pope, vendedora
“Não consigo me olhar no espelho”
Uma semana antes da cirurgias, a foto tirada mostrava o sorriso e o decote, que gostava de mostrar em algumas ocasiões. Hoje, a vendedora Aparecida Pope, 55, conta que tudo mudou. “Só queria minha vida de volta. Não consigo me olhar no espelho”.
A Tribuna: Por que decidiu fazer a cirurgia?
Aparecida Pope: Eu tinha um nódulo benigno no seio, que me incomodava e doía quando deitava. Como precisava retirá-lo, aproveitei para fazer a troca do implante que já tinha. O médico foi indicação de uma amiga.
Estava tudo certo antes do procedimento?
Sim. Fiz o pré-operatório certinho. A cirurgia foi em janeiro do ano passado, à tarde. No dia seguinte, na terça, já deixei a clínica sentindo muitas dores. Eu falei para o médico, mas ele dizia que era normal. Eu sabia que não era, pois já tinha feito a cirurgia antes.
Mas voltou para casa?
Sim. Como moro em Venda Nova do Imigrante, voltei, mas sentindo muita dor, com quedas de pressão, fraqueza. No fim de semana desmaiei e fui levada para o pronto-socorro. Já estava infeccionado. O médico da cirurgia me mandou voltar para a clínica.
O que foi feito?
Eu fiquei lá para tratamento. O médico tirava quatro seringas cheias de seroma (líquido próximo à cicatriz cirúrgica) todo dia. Ia tomando antibiótico e ele falava que iria secar, mas não adiantava.
Sabia qual era a bactéria?
No início, não. Os resultados demoraram. Mas é a Mycobacterium abscessus, mesma de um surto há mais de 10 anos no Estado.
Depois de um mês de tratamento, o médico disse que iria retirar uma prótese. Meu marido perguntou por que não tirar as duas infeccionadas. O médico disse que conseguiria tratar a outra com antibiótico. Mas no outro dia, retirou a outra. Em um mês, fiz três cirurgias com anestesia geral.
E não melhorou?
Não. Eles continuaram tratando e os buracos iam abrindo no local. Com secreção. Sentia muita dor. Passei o ano inteiro, praticamente, internada ou indo até a clínica.
Já fiz, ao todo, 10 cirurgias. Em janeiro deste ano, a mama voltou a encher de secreção. Eu mandei mensagem para a clínica e eles só responderam em abril. Como esperar esse tempo todo? Procurei outro profissional, busquei infectologista. Até hoje ainda estou com secreção, cheia de cicatrizes, tomando medicação forte para dor.
O que mudou na sua vida?
Mudou tudo. Meu marido teve de parar de trabalhar para cuidar de mim. Não consigo me olhar no espelho. Tenho medo de sair de casa, crise de pânico, ansiedade. E tudo o que ouvi do médico é que foi fatalidade a bactéria em um centro cirúrgico.
Vão entrar na Justiça?
O que mais quero hoje é ter minha vida de volta. Mas também gostaria de reparação de tudo que perdi, em um acordo com o médico. Resolvi falar porque isso pode acontecer com outras pessoas.
Clínica diz que adota “procedimentos rigorosos”
Sobre o caso da vendedora Aparecida Pope, de 55 anos, a clínica em que ela realizou a cirurgia esclareceu que adota procedimentos rigorosos para evitar intercorrências indesejadas.
Frisou, no entanto, que todo procedimento de natureza cirúrgica possui riscos. “Em todo caso, nas raras situações em que nossos pacientes tiveram algum tipo de intercorrência, todo tratamento necessário e acompanhamento técnico foram prestados sem custo, como no caso da paciente em questão, em que o tratamento da infecção foi finalizado com êxito”, informou por meio de nota.
Em relação aos demais procedimentos de refino, comuns em cirurgias plásticas, a clínica já comunicou que a paciente está apta a realizá-los.
Estado teve surto há mais de 10 anos com 221 infectados
As infecções por micobactéria, como da vendedora Aparecida Pope, de 55 anos, são conhecidas no Estado e ainda monitoradas pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). Um surto, entre 2007 e 2009, teve 221 casos registrados.
Somente em 2007, foram 195 vítimas, que ficaram com sequelas. Em 2010, médicos chegaram a ser indiciados pela Polícia Civil por crime de lesão corporal.
A maioria dos casos era de cirurgias com microcâmeras de videolaparoscopia ou com cânulas, como lipoaspiração.
Ainda hoje, a Sesa informou que a Vigilância Sanitária Estadual acompanha o monitoramento feito por instituição que notifica casos e se medidas de prevenção estão sendo adotadas. Frisou que “eventualmente a micobactéria é identificada em infecções cirúrgicas”.
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