Justiça do ES condena ex-marido por aplicar golpe do amor em médica
Empresário ficou com a casa de luxo comprada junto com a mulher, na Praia da Costa. Ele foi condenado a 4 anos de prisão
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Um casal se conhece e depois de pouco mais de dois meses, o homem fez o pedido de casamento. Mas o que parecia ser o início de uma vida a dois parou na Justiça e o ex-marido, um empresário, foi condenado por estelionato sentimental, conhecido como golpe do amor, cometido contra uma médica no Espírito Santo.
A médica teria quitado um imóvel de luxo na Praia da Costa, em Vila Velha, avaliado em R$ 612.500,00 - inicialmente ela teria pago 55% -, e induzida a assinar documentos que a excluíam da condição de compradora, ficando o réu como único proprietário.
Ele também teria convencido a médica a fazer empréstimo de R$ 235 mil para quitar o restante do contrato de compra e ingressado com uma ação para mudar o regime de bens de casamento de comunhão universal para separação de bens, sem o conhecimento da vítima. O casamento foi em dezembro de 2013. À época, ela tinha 45 anos.
Em uma recente decisão, a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo deu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e condenou o acusado a 4 anos, 2 meses e 22 dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto.
Relator do processo, o desembargador Willian Silva entendeu que o réu, que é formado em Direito, utilizou de seus conhecimentos jurídicos para concretizar o crime.
Mesmo diante do argumento da defesa de que a médica era pessoa instruída, o relator constatou que todo o conjunto de provas evidenciam que o acusado a ludibriou.
O relator explicou que trata o caso de estelionato sentimental, quando a vítima é induzida a erro quanto às intenções do pretendente e, com base na confiança estabelecida dentro de um relacionamento amoroso, sofre perdas, especialmente patrimoniais.
“Em relacionamentos amorosos a relação de confiança estabelecida entre as partes ganha uma dimensão maior, já que a pessoa mantida em erro acredita, piamente, que seu par amoroso possui as melhores intenções”, enfatizou o desembargador.
Procurada pela reportagem, a vítima, representada pela defesa, preferiu não comentar o caso.
Segundo um dos seus advogados, ela faz acompanhamento psicológico.
Defesa diz que alegação é “absurda” e vai recorrer

Atuando na defesa do acusado, a advogada Tatiana Costa Jardim disse à reportagem que vai apresentar novo recurso ao Tribunal de Justiça do Estado e, posteriormente, ao Superior Tribunal de Justiça.
“A absurda alegação é de que a suposta vítima, uma médica, teria assinado um aditivo contratual, duas escrituras públicas declaratórias, uma escritura pública de registro e uma petição de modificação de regime de casamento, sem ler, o que lhe teria retirado a propriedade de um apartamento”.
Contudo, “o que se extrai dos autos é que o Tribunal de Justiça ignorou a declaração do corretor de imóveis responsável pela venda do apartamento em litígio, que afirmou que a médica desistiu da compra do imóvel, ignorou a declaração do tabelião onde as escrituras públicas foram assinadas, que declarou em juízo que ela ia sozinha ao cartório assinar tais escrituras”.
Ainda de acordo com ela, a Justiça ignorou o depoimento de uma amiga da médica, que declarou em juízo que viu o réu entregar 240 mil dólares à vítima, além de ignorar um e-mail enviado pela vítima à sua irmã, afirmando ter sido integralmente ressarcida pelo réu dos valores inicialmente direcionados por ela à construtora.
“O que temos na realidade é que após o casamento, o acusado, que é um empresário e tinha imóvel próprio, descobriu que a suposta vítima acumulava inúmeras dívidas, tendo sido, inclusive, despejada meses antes do casamento, respondendo na Justiça execuções por não pagamento de cota condominial e financiamento de automóvel”, finaliza.
Entenda o caso
Namoro e casamento
- O casal se conheceu através de uma amiga em comum e o acusado, em pouco mais de dois meses, segundo a denúncia, a pediu em casamento.
- O acusado teria proposto casamento no regime de comunhão total de bens e que comprassem um apartamento de luxo para morarem, na condição de que cada um pagaria 50% do valor do imóvel.
Compra do apartamento
Contrato
- No dia 30 de setembro de 2013, antes do casamento, o casal foi ao escritório de uma construtora em Vila Velha e o apartamento, na Praia da Costa, foi escolhido. Ambos assinaram um Contrato de Promessa e Compra e Venda, no valor de R$ 612.500,00.
- Dias depois, o casal preparava a documentação para o casamento em comunhão universal. Eles se casaram no dia 6 de dezembro de 2013.
Quitação
- A médica, segundo a denúncia, usando todas as reservas financeiras, teria efetuado o pagamento de mais da metade do valor do imóvel, R$ 335.700,00.
- Com 55% do valor do imóvel pago, o acusado teria feito com que a vítima assinasse um aditivo que alterava o Contrato de Promessa de Compra e Venda, onde a médica teria sido excluída da condição de compradora do imóvel, ficando o acusado como único comprador.
- Ainda segundo a denúncia, em novembro de 2013, um dia após a vítima ter quitado a sua parte do apartamento, o acusado teria ido ao hospital onde ela trabalhava como plantonista e pediu que ela assinasse rapidamente alguns documentos, no estacionamento.
- Ele teria alegado que era necessário para ser entregue à construtora. O documento foi assinado, segundo a médica, sem ler.
Ressarcimento
- Ainda antes do casamento, o acusado teria convencido a noiva a pagar o valor referente a seu débito no apartamento, com a promessa de que a ressarciria assim que vendesse um imóvel que tinha, em Bento Ferreira, Vitória. A médica teria feito um empréstimo para quitar o imóvel em sua totalidade.
Escritura
- Em fevereiro de 2014, o acusado teria levado a vítima a um cartório em Vila Velha, onde fariam a Escritura Pública do imóvel.
- A médica alegou que enquanto assinava a escritura, o acusado, sem que ela percebesse, teria colocado outros papéis em meio aos que estavam sendo assinados.
- Ela declarou que assinou várias folhas, sem ler, não percebendo que estava assinando duas escrituras públicas, a real escritura de compra e venda e a segunda, que ela disse ser fraudulenta, em que ela renunciou em caráter irretratável e irrevogável todos os direitos do imóvel.
- Ao assinar esse segundo documento, ela teria se comprometido a não reivindicá-lo, até mesmo em caso de separação ou divórcio, afirmando ainda, no que chama de fraudulenta escritura, que o referido apartamento havia sido comprado antes do casamento, pelo esforço exclusivo do acusado.
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