Igreja recebe 100 pedidos para anular casamentos

| 14/08/2020, 15:01 15:01 h | Atualizado em 14/08/2020, 15:08

Desde que a pandemia chegou ao Estado, em março, 100 pessoas recorreram à Igreja Católica para pedir nulidade de casamentos, o que representa cerca de 60% de aumento.

Vigário judicial e presidente do Tribunal Eclesiástico Interdiocesano e de Apelação – onde ocorrem os julgamentos de nulidade –, padre Hiller Stefanon Sezini avalia que é um número “um pouco mais do que o normal” para o período.

srcset="https://cdn2.tribunaonline.com.br/prod/2020-08/372x236/padre-hiller-341e212942bfc13c49511e174ad4dcdc/ScaleUpProportional-1.webp?fallback=%2Fprod%2F2020-08%2Fpadre-hiller-341e212942bfc13c49511e174ad4dcdc.jpeg%3Fxid%3D137062&xid=137062 600w, Padre Hiller, presidente do Tribunal Eclesiástico: “O enclausuramento forçado gera consequências psicológicas, 
emocionais e afetivas”
“Eu acredito que, sim, tenha ligação com a pandemia. Passamos a conviver mais dentro de casa, o que pode levar a conflitos maiores, tensões, discussões. O enclausuramento forçado gera consequências psicológicas, emocionais e afetivas, que acabam fugindo do nosso controle e provocando um autodesconhecimento”, diz.

De uma variada lista de motivos que podem levar à nulidade, padre Hiller revela que dois despontam entre os mais recorrentes no Estado: a “grave falta de discrição de juízo a despeito dos direitos e obrigações do matrimônio” e a “incapacidade de natureza psíquica para assumir obrigações no matrimônio”.

Padre Hiller traduz: “É você estar casado, mas querendo viver como se solteiro fosse. Busca preencher a vida com outras realidades fora do casamento, faltando com responsabilidades de esposa e marido”.

A infidelidade entra aí, mas com ressalvas. “Ela deve ser precedente ao matrimônio, no período de namoro ou noivado. Até porque, a infidelidade na constância do casamento pode ser resolvida com reconciliação”, entende.

A incapacidade de natureza psíquica, detalha o padre, tem relação com uma imaturidade para o sacramento católico. Há ligação com problemas mentais. “No julgamento de nulidade, solicitamos perícia médica”, conta.

É que, de fato, há um tribunal, mas com especificidades. Mestre em Direito Canônico e notário do Tribunal Eclesiástico, o padre Anderson Teixeira explica que conversas de WhatsApp e prints de fotos são as provas mais comuns atualmente.

Cada parte, segundo ele, tem direito a três testemunhas. Advogados não são obrigatórios.
Assim como num processo cível, a parte contrária é intimada e também pode dar a sua versão dos fatos.

As sentenças são dadas por um juiz relator e votadas por um pleno de julgadores – 99% dos pedidos capixabas são deferidos.

Processos no Estado

100 pedidos de nulidade do matrimônio foram recebidos de março até agora no Tribunal Eclesiástico Interdiocesano.

ANO ------------ NÚMERO DE PEDIDOS
2019 ------------ 229
2017 ------------ 281
2018 ------------ 281
2016 ------------ 240


ENTENDA COMO FUNCIONA


A reportagem convidou o mestre em Direito Canônico e notário do Tribunal Eclesiástico, padre Anderson Teixeira, para explicar o processo de nulidade matrimonial.

- Quanto tempo demora, em média, um julgamento?
Hoje, dura um ano e meio até o trânsito em julgado. Antes da reforma do papa Francisco, ia para segunda instância, em Aparecida (SP) ou Belo Horizonte (MG), e se fosse o caso, ainda para Roma. Com isso, durava cinco, quatro anos, em média. Era um custo muito alto. Agora, não mais.

- As duas partes precisam estar de acordo?
Não precisam. Quando uma parte entra com o processo, que é acolhido, a outra parte tem que ser citada. Ela recebe uma notícia, enviada pela Igreja, para tomar conhecimento do processo.

- Todo processo é acolhido?
As pessoas entraram com a petição inicial. O juízo vai ver se, naquele fato, cabe nulidade. A maioria é acolhida no Estado.

- Como começa o processo?
A pessoa que entra com processo escreve o chamado libelo. Ela vai escrever o caso, contar como tudo aconteceu em, no mínimo, três páginas. Então, leva ao tribunal. Não é necessário um advogado. O juízo então vai analisar se há causa para acolher o processo, a chamada admissibilidade.

- Quais as causas possíveis?
Várias. Há aqueles que, no momento do “sim”, não estão plenamente livres para aceitar o sacramento, havendo um vício. Há também a exclusão da prole, quando a pessoa casa, e não deseja ter filhos. Se você excluir filho da relação por opção, é nulo para a Igreja Católica.

Há também casos de traição no namoro ou noivado, pois a parte não é capaz de viver a fidelidade. Outro exemplo é da falta grave de discrição de juízo, quando a pessoa está imatura para o casamento. Ela diz sim, mas não consegue assumir responsabilidades – pode ser por ser alcoólatra, dependente químico ou com problemas psiquiátricos. Homossexualidade também entra como causa.

- Quem julga o processo?
Se o processo for aceito, é enviado para o chamado defensor do vínculo, é como se fosse um Ministério Público. O defensor faz as perguntas que vão ser direcionadas às duas partes e às testemunhas – são até três para cada parte. Pode ser pai, mãe, sogro. Mesmo que a outra parte não compareça, o processo segue normalmente.

- Quais são as provas?
Fotos de traição, se for o caso, e-mails, mensagens de texto, e relatos das testemunhas. As oitivas serão feitas. O defensor do vínculo vai defender o casamento, dar seu parecer. Depois, o juiz relator dá seu voto. O voto vai para um pleno de dois julgadores, que analisam. Se ganhar a maioria, o casamento torna-se nulo.

- Quem são esses juízes?
Podem ser padres, mas há casos no Espírito Santo de juíza com especialização canônica e promotor de Justiça.

- Quando a pessoa fica impossibilitada de receber a Comunhão?
A partir do momento que se separa, arranja outra pessoa, mas ainda está com matrimônio valendo perante a Igreja, ocasionando um adultério.

- Quando sai a sentença positiva, a pessoa pode casar de novo?
Na maioria dos casos, sim, mas há alguns em que a Igreja coloca um veto. Nos casos de problemas psicológicos, serão necessários laudos para um novo casamento.

Fonte: Padre Anderson Teixeira, mestre em Direito Canônico e notário do Tribunal Eclesiástico Interdiocesano e de Apelação.

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