Clínica de estética: paciente não consegue fechar o olho após procedimento
Até o momento, sete mulheres atendidas por biomédico foram identificadas. Clínica fica em Vitória e funciona desde 2020
Escute essa reportagem
Nos relatos de pacientes que denunciaram o biomédico e mediante investigações da polícia, são vários os exemplos de danos que teriam sido causados por esse profissional em procedimentos estéticos.
Uma vítima contou à polícia que foi submetida a uma blefaroplastia e não consegue fechar o olho.
“Mesmo na hora que ela vai dormir, ela não consegue fechar o olho por conta desse procedimento realizado supostamente por esse biomédico”, contou o delegado titular do 3º Distrito Policial de Vitória, Diego Bermond.
O delegado cita outro caso. “Uma paciente apresentou problemas após aplicação de PMMA, uma substância plástica em gel normalmente indicada para corrigir pequenas deformidades”.
Outra paciente foi submetida, em 2021, a um procedimento estético por não médicos, com aplicação de fios de PDO (polidioxanona).
O tratamento visa melhorar a aparência da pele e promover o rejuvenescimento. Mas, no caso dela, evoluiu para infecção grave e internação hospitalar.
Foram solicitados exames pré-operatórios em regime de urgência e programado ainda a retirada dos fios aplicados em sua face o mais rápido possível.
De acordo com o delegado, as investigações mostram que o biomédico usava ferramentas, como a rede social, para divulgar procedimentos e atrair mais clientes.
O que chamou a atenção da polícia é que ele, no próprio Instagram da clínica, se denomina como CEO, como conta o delegado.
“É a forma dele trazer credibilidade em relação a atrair essas vítimas, em relação aos procedimentos que são ali feitos”, disse Diego Bermond.
preços
Diego Bermond falou ainda sobre preços cobrados pelos procedimentos, com valores acima daqueles praticados pelo mercado.
“Ele cobrava mais caro do que médicos habilitados, do que cirurgiões plásticos que estariam habilitados para realizar esses procedimentos. Em um dos casos, cobrou R$ 17 mil em relação ao lifting e R$ 3 mil em relação à pálpebra”.
O delegado afirma ainda que em outro caso ele teria cobrado R$ 11 mil para realizar uma lipoaspiração de papada.
“Eram vários procedimentos estéticos. É difícil falar uma média de quanto ele cobrava, mas as investigações apontaram que era acima do valor de mercado”.
O local, afirma o delegado, não possui centro cirúrgico e em todas as salas há cadeiras odontológicas para realização de pequenos procedimentos.
“Temos convicção que existem outras vítimas”
No comando das investigações, o delegado titular do 3º Distrito Policial de Vitória, Diego Bermond, pede que outras eventuais vítimas procurem a polícia para denunciar. “A gente tem a convicção que existem outras vítimas. Com essa divulgação, esperamos identificá-las, podendo estar salvando vidas”.
Bermond contou que, além da esfera criminal, há processos que tramitam na esfera cível.
“Tem três processos cíveis de pessoas que não tinham registrado a ocorrência, porque muitas vezes não sabem nem o que é crime, mas tinham ajuizado ação cível para reparação de danos morais e materiais. Uma dessas vítimas, que não é da atribuição do 3º Distrito, fez procedimento em Linhares”.
Ele informou ainda que durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão houve outra descoberta. “Um representante do CRBM (Conselho Regional de Biomedicina) nos informou que há oito anos já existe processo administrativo em desfavor desse biomédico, antes dele se formar. A gente oficiou essa entidade de classe e estamos esperando esses processos administrativos para trazer mais subsídios acerca da nossa investigação”.
Após o indiciamento, a investigação continua. O próximo passo é o envio do inquérito policial ao Ministério Público, que decide se oferece ou não a denúncia. Caso o ofereça a denúncia e esta seja aceita pelo juiz, o indiciado passa a ser réu em um processo criminal.
Especialistas dão dicas para não cair em ciladas
O Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) recomendou que o paciente que tenha a intenção de se submeter a um procedimento estético recorra a um médico e siga corretamente suas orientações sobre o melhor tratamento e procedimento, e verifique, antes, se quem vai atende-lo é de fato um médico.
“Isso pode ser feito no site do CRM-ES (crmes.org.br), na aba serviços/cidadão/busca médica. Não acredite em promessas milagrosas e baratas! São cada vez maiores os casos de sequelas, algumas de difícil recuperação, e até de morte, provocada por procedimentos feitos por falsos médicos”, disse o CRM-ES, por nota.
A reportagem tentou falar com o Conselho Regional de Biomedicina do Espírito Santo (CRB-ES), mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.
O curso de graduação em Biomedicina tem quatro anos de duração. Para atuar na área específica de estética e harmonização, por exemplo, é preciso que o profissional tenha pós-graduação e cursos complementares que irão habilitá-lo a realizar o procedimento não cirúrgico.
José Armando Faria Junior, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica – Regional ES (SBCP-ES), disse que, quando o paciente procura um profissional não habilitado para fazer determinado procedimento, o risco aumenta.
“No meu entendimento, antes de fazer um procedimento estético, é preciso saber, por exemplo, se o estabelecimento está apto e liberado pela Vigilância Sanitária para realizar esse procedimento que irá ser feito no paciente; se o biomédico tem licença pelo Conselho dele, embora no meu entendimento quem tem que fazer o procedimento é o cirurgião plástico”.
O outro lado
“Não há nenhum processo”
Em nota assinada por Juk Cattani Sociedade de Advogados, a defesa do biomédico se manifestou ontem e informou que o profissional investigado sempre trabalhou dentro dos limites de sua profissão, tendo uma clínica multidisciplinar na qual outros profissionais atuam e realizam procedimentos de suas competências.
“Não há nenhum processo transitado em julgado ou sequer com sentença que comprove atuação ilegal do profissional, que age com boa-fé e probidade, obedecendo ao código de ética de sua profissão”.
Por fim, declarou: “Convém destacar, ainda, que foi arquivado recentemente processo relativo ao exercício profissional por não haver nenhuma prova de qualquer atuação ilegal”.
Comentários