"Bebi urina para me salvar", conta pescador que foi salvo após naufrágio

| 18/05/2021, 15:00 15:00 h | Atualizado em 18/05/2021, 15:18

Passar dois dias com frio e sem comida não abalaram a esperança do pescador Waldeck Lima da Silva, de 60 anos. Foi à deriva no mar, onde tira o sustento da família há mais de 40 anos, que “Cutia”, como é conhecido, enfrentou o momento mais desesperador da vida dele.

Ele estava com outros dois pescadores e ficaram desaparecidos desde a última quinta-feira após o barco onde estavam sofrer um acidente a menos de 10 milhas náuticas (20 km) de Vila Velha. Um quarto tripulante, Gildázio de Jesus Santos, de 54 anos, segue desaparecido.

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De Vila Velha, local onde o barco se acidentou na quinta-feira, o trio ficou à deriva no mar e se salvou segurando num bote que estava de cabeça para baixo e alguns destroços da embarcação, até serem levados pelo mar por cerca de 40 milhas, e chegar na reserva ambiental de Comboios, em Barra do Riacho, Aracruz, no sábado (15).

“A primeira coisa que fizemos quando chegamos na areia da praia foi se ajoelhar e rezar, agradecer por chegarmos até ali vivos. Tive fé o tempo todo”, disse o mestre da embarcação, devoto de Nossa Senhora da Ajuda.

Bárbara Nascimento, 19 anos, filha de Cutia, relembra que familiares e amigos promoveram buscas por conta própria.

“Dois barcos de amigos saíram às 4 horas de sábado para ir atrás deles e encontraram os destroços do barco. Poucas horas depois chegou a informação de que eles haviam sido encontrados em Aracruz”, diz a jovem.

Pescador há mais de 40 anos, Cutia afirma que nunca passou por algo parecido. Apesar do trauma, ele disse que não vai abandonar a vida no mar.

“Tiro o sustento da minha família da pesca. Vou dar um tempo, mas em breve eu terei de voltar. Trabalhei a vida inteira para os outros, e pela primeira vez eu tinha o meu próprio barco. Comprei ele em sociedade há uns quatro anos apenas. Ainda faltavam R$ 15 mil para pagar. Perdi tudo ali, vou ter de começar do zero”, revelou.

Ele garante que o acidente foi uma fatalidade, e que a embarcação, chamada de Petrel, estava preparada e regularizada. “Tinha todos os equipamentos de segurança. Tinha duas bombas elétricas e uma de porão, manutenções todas em dia. Foi uma fatalidade”.

Waldeck Lima da Silva, 60 anos, o “Cutia”, era o mestre do barco que naufragou nas proximidades de Vila Velha e ficou desaparecido desde a última quinta-feira (13), e foi encontrado em na reserva ambiental de Comboios, em Barra do Riacho, Aracruz, no sábado.

A Tribuna – O que aconteceu no dia do acidente?

Waldeck Lima – Saímos de Vitória e estávamos há 12 dias no mar. Era a primeira vez que saí com esse grupo. A gente só se conhecia de vista, mas eu sabia que eram todos profissionais. Na quinta (13), estávamos voltando, o mar estava calmo quando ouvimos um estrondo no fundo do barco por volta das 10h. Em 5 minutos ouvi um barulho na casa de máquina, era a serpentina que havia arrancado o alternador. Olhei e já estava cheio de água. Como o fio do rádio era comprido, conseguimos puxar e fazer contato com a Marinha. Mas em pouco tempo a água tomou conta.

Quando foi a última vez que vocês viram o Gildázio?

Assim que percebemos que a água começou a entrar no barco, ele se desesperou e se jogou no mar segurando em um galão vazio de óleo para ficar boiando. Gritei para ele não fazer isso. Em 20 minutos já não vimos mais ele.

O barco logo afundou?

Conseguimos permanecer no barco até as 5 horas da tarde, parados, no mesmo lugar, mas aí ele virou. O bote que iriamos entrar também virou, então tivemos que ficar agarrados no fundo dele, que é liso, ruim de segurar direito.

Qual foi o pior momento?

A madrugada. Contei umas nove vezes que o mar jogava a gente fora do bote, até os coletes ele arrancou. Depois de passar o dia inteiro ali, avistamos a praia à noite, e tentamos nadar até lá, mesmo debilitados. Até que por volta das 20h30 chegamos na areia. Só depois que fomos perceber que o mar tinha levada a gente umas 40 milhas.

O que vocês fizeram após chegar na praia?

Estava muito escuro e deserto. Eu sabia que tínhamos de andar para o Sul. Após algumas horas, paramos para dormir. Estávamos molhados e o frio da madrugada foi outro momento terrível. Até que pela manhã, avistamos o rapaz do Ibama que trabalhava na reserva, e ele já estava sabendo do nosso desaparecimento.

Vocês ficaram quando tempo sem se alimentar?

A última refeição foi o café da manhã de quinta, e depois só fomos comer no sábado pela manhã, na casa do rapaz que nos deu abrigo. Bebi minha própria urina para me salvar.


ENTENDA


O acidente

  • O barco saiu da Enseada do Suá, em Vitória, com quatro pescadores, no dia 1º de maio e estava voltando, na quinta-feira (13), quando algo se chocou com o fundo do barco.
  • Os pescadores comunicaram via rádio com a Capitania dos Portos avisando sobre os problemas quando estava a cerca de 20 quilômetros da Praia de Itapuã, em Vila Velha.

À deriva

  • Um tripulante, Gildázio de Jesus, 54 anos, segundo os outros pescadores, se jogou ao mar assim que o barco começou a encher de água, enquanto os demais seguiram em cima da embarcação, que depois afundou. Ele está desaparecido.
  • Os três chegaram até uma praia, em Aracruz, após passarem quase dois dias agarrados a destroços.

Resgate

  • Na praia, eles foram socorridos na manhã seguinte por um funcionário do Ibama.

Fonte: Capitania dos Portos e pescadores.

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