Sem ponte, caminhoneiro paga R$ 265 por travessia entre Maranhão e Tocantins
Seis dias após a queda da ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira, a vida dos moradores já mudou radicalmente.
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ENVIADO ESPECIAL A ESTREITO (MA) – Depois de só seis dias, a queda da ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira, entre as cidades de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO), já mudou radicalmente a vida dos moradores das duas cidades e o tráfego de cargas na região. Uma travessia que podia ser feita em 15 minutos agora leva cerca de uma hora e meia de carro.
A economia local foi impactada pela queda no comércio. Moradores de Aguiarnópolis temem perder os empregos em Estreito, que é sete vezes mais populosa. O tráfego de cargas na BR 226 agora envolve uma travessia de balsa, com filas de até cinco horas. Caminhoneiros chegam a pagar R$ 265 pela travessia.
“Aguiarnópolis é como se fosse um bairro de Estreito”, diz o vereador da cidade Elias Júnior (Republicanos). Enquanto o município tocantinense tem apenas 4.537 habitantes, Estreito tem 34.353, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Por isso, é muito comum que os moradores de Aguiarnópolis trabalhem em Estreito.
“A maioria dos moradores depende de Estreito para trabalhar, para ter renda. Então, isso afeta em vários sentidos. Não é fácil ver um morador conhecido da gente dizer que está com dificuldade, com risco de perder o emprego”, diz o vereador Elias Júnior. No domingo (22), ele gravava um vídeo para denunciar as más condições da ponte quando a estrutura colapsou.
Em Estreito, o comércio sofre com a queda do tráfego de veículos pela BR 226, que faz parte da rodovia Belém-Brasília. Alguns restaurantes da cidade, voltados para caminhoneiros, interromperam as atividades por falta de público. Esse tipo de comércio também foi impactado em Aguiarnópolis, segundo os moradores.
Kayk Júnior, de 19 anos, mora em Aguiarnópolis e faz curso técnico de enfermagem em Estreito. A reportagem do Estadão o encontrou no fim de sexta-feira (27), quando ele se preparava para atravessar o Rio Tocantins de barco para voltar para casa.
São R$ 5 para ir e mais R$ 5 para voltar, todos os dias, conta Kayk. “E ainda tem mais R$ 10 do carro que eu pego para terminar de chegar em casa”, diz ele. A queda da ponte criou uma despesa inesperada para o estudante.
No fim da tarde de sexta, a rampa onde Kayk pegou o barco de volta para casa tinha seis embarcações. Um fiscal da Marinha do Brasil estava lá para chegar se todos os passageiros estavam com coletes salva-vidas.
O eletricista Mateus Maciel, de 23 anos, é o dono de um dos barcos. “Até que dá para ganhar um dinheiro, quem fica direto. Eu só faço isso (transporte de passageiros) na minha folga”, diz ele. Mateus conta que estava no rio, no mesmo barco, quando a ponte caiu. Ele estava a algumas centenas de metros do acidente.
Na prática, o Rio Tocantins não é todo navegável. O trecho onde a ponte caiu é limitado, de um lado, pela Usina Hidrelétrica Estreito, inaugurada em 2012, e por um trecho raso chamado pelos moradores de “pedral”, do outro. Por conta disso, há apenas barcos pequenos no trecho de rio entre Aguiarnópolis e Estreito.
Geraldo Pereira de Araújo, 68, é bombeiro civil. Trabalha em fazendas do lado tocantinense, mas mora em Estreito. Nesta sexta-feira, 27, ele conta que precisou sair da cama por volta das 2h para levar implementos agrícolas de caminhão para as fazendas. A viagem que era feita em poucos minutos agora leva várias horas, contornando por Imperatriz.
Porto Franco (MA), a 30 km de Estreito, é um dos locais onde caminhoneiros e carros de passeio conseguem atravessar o Rio Tocantins em direção ao Estado vizinho. A operação de embarque, travessia e desembarque dura cerca de uma hora. Os preços variam: desde R$ 5,50 para motos até R$ 265 para caminhões de nove eixos, quando carregados.
A travessia é realizada com frequência por caminhoneiros carregados de fertilizantes. A mercadoria chega no porto na capital maranhense, São Luís, e vai em direção aos Estados do Centro-Oeste e do “Matopiba” – fronteira agrícola que inclui áreas dos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Caminhões, carros de passeio e motos aguardam entre 4 e 5 horas para fazer a travessia de balsa entre as cidades de Porto Franco (MA) e Tocantinópolis (TO). O preço da travessia varia entre R$ 5 e R$ 265. O local se tornou alternativa para motoristas depois da queda da ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira, entre Tocantins e Maranhão. O serviço de balsas sempre existiu na região, mas o movimento aumentou muito depois da queda da ponte.
O caminhoneiro Paulo Oliveira, de 40 anos, pilota um caminhão de nove eixos. Na manhã deste sábado (28), ele aguardava na fila de caminhões para fazer a travessia entre Porto Franco e Tocantinópolis, levando uma carga de 50 toneladas de fertilizantes de São Luís para Mato Grosso.
“Se for por Carolina (MA), aumenta quase 100km. Se for por Imperatriz (MA), a mesma coisa. Vindo por aqui (Porto Franco), aumenta de 15 a 20km, só que tem o transtorno da balsa”. “Eu passei na ponte (Juscelino Kubitschek) na semana que ela caiu. Eu passei no sábado (a ponte caiu no domingo). Minha esposa disse que foi um livramento”, disse.
Assim como Paulo, o caminhoneiro Evanildo Pereira, de 55 anos, também trazia uma carga de fertilizantes de São Luís. Ele tinha chegado à fila de caminhões por volta das 6h da manhã de sábado. Às onze horas, ainda não tinha conseguido embarcar com seu caminhão de nove eixos. A balsa só leva um caminhão grande como o dele e o de Paulo por viagem.
Logo após o desabamento da ponte, o ministro dos Transportes, Renan Filho, esteve em Estreito e anunciou a liberação de verbas para a reconstrução da estrutura. Segundo o Ministério dos Transportes e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Trânsito (DNIT), a obra deve custar entre R$ 100 e R$ 150 milhões, e deve ficar pronta em até um ano. Nesta sexta-feira, o DNIT informou que já tinha enviado carta-convite para empreiteiras interessadas em atuar na obra.
Como mostrou o Estadão, um relatório de 2020 do próprio DNIT já atestava as más condições da ponte, com avarias em 14 dos 16 pilares que faziam parte da estrutura. Construída nos anos 1960, a Ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira tinha 553 metros de extensão. A última vez que passou por uma reforma foi entre os anos de 1998 e 2000, ainda no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Dnit atesta segurança de pilares e mergulhos retornam
Na manhã deste sábado (28), o DNIT concluiu que os pilares restantes da ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira estão seguros. Na manhã de ontem, sexta (27), as buscas de mergulhadores na área junto aos pilares tiveram de ser interrompidas, depois do DNIT constatar que a estrutura estava se deslocando.
Com a confirmação do DNIT, a Marinha do Brasil e os Corpos de Bombeiros de Tocantins, Maranhão e Pará puderam retomar os trabalhos de mergulho na área do pé da ponte. Além disso, a Marinha segue realizando buscas pelos corpos dos desaparecidos nas margens do rio.
No começo da noite de ontem, mais um corpo foi encontrado pelo Corpo de Bombeiros do Maranhão. No entanto, hoje pela manhã, constatou-se que a pessoa encontrada era uma das duas vítimas do acidente cujos corpos já tinham sido localizados, mas permaneciam presos no fundo do Rio Tocantins.
Portanto, até o momento são nove óbitos confirmados e oito corpos que seguem desaparecidos. Apenas uma vítima do acidente foi encontrada com vida. Ela foi levada para um hospital de Estreito e segue em recuperação.
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