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Brasil

Papa Leão XIV x Donald Trump: o que esperar da relação entre líderes


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Norte-americano com cidadania peruana, Robert Prevost, eleito papa Leão XIV nesta quinta-feira, 8, terá intensos desafios à frente da diplomacia mundial, principalmente na relação com o presidente dos EUA, Donald Trump.

O cardeal assume o posto de líder máximo da Igreja Católica em meio a um cenário de guerras armamentistas e disputas econômicas.

Além de manter relações com 183 Estados soberanos, o Vaticano integra organizações multilaterais e é observador permanente na Organização das Nações Unidas (ONU). Com neutralidade histórica, tem potencial para mediação de conflitos internacionais.

Considerando a participação dos EUA nos diversos conflitos internacionais, a escolha por um papa norte-americano é “muito relevante, especialmente neste momento em que o Trump está ainda no início do mandato”, diz Vitélio Brustolin, pesquisador em Harvard e professor de Relações Internacionais na Universidade Columbia e na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Trump, além de interferir ativamente nos conflitos de outras regiões, tem levantado pautas contrárias aos valores da Igreja Católica.

Dentre elas, a deportação em massa de refugiados, a negligência com assuntos voltados ao meio ambiente, como o Acordo de Paris, e as ideias para a Faixa de Gaza - sobre estas, o especialista assevera:

“Isso de tirar as pessoas de onde elas vivem e enviar para outros países é completamente contra os princípios cristãos. Seria um absurdo o papa apoiar isso.”

Para Brustolin, o fato de Prevost ser americano pode criar uma voz equilibrada. É esperado ainda que Leão XIV siga o caminho iniciado por Francisco, de olhar para a América Latina, uma vez que tem cidadania peruana e atuou no país por décadas.

A aproximação com a China também deve se manter, na visão do pesquisador. Já o diálogo com atores como a Rússia, Irã e Coreia do Norte seguirá sem abertura, avalia.

Veja a entrevista:

O que significa o novo papa ser norte-americano para a geopolítica?

O fato dele ser dos Estados Unidos é algo novo, porque é o primeiro papa escolhido em um país de maioria protestante, como é o caso dos Estados Unidos. Ele é visto como moderado, tem uma linha de reforma, inclusive a escolha do nome dele de Leão XIV remete a um papa que promoveu reformas na área trabalhista, que foi o Leão XIII. Também é importante ressaltar que ele trabalhou durante quase 15 anos no Peru, especialmente durante o governo Fujimori, um governo turbulento, territorial, e ele cobrou desculpas por injustiças cometidas durante esse governo.

É muito relevante que ele seja dos Estados Unidos, especialmente neste momento em que o Trump está ainda no início do mandato. No primeiro mandato do Trump houve conflitos entre o papa Francisco, especialmente na questão da imigração, das fronteiras dos EUA. Aquele muro que o Trump prometeu em campanha e começou a construir no seu primeiro mandato, o papa Francisco criticava e dizia que cristãos não constroem muros, mas, sim, pontes. Inclusive, a origem da palavra pontífice é a mesma da palavra ponte. O papa Francisco criticou também a política de imigração dos Estados Unidos no segundo mandato.

É possível compará-lo com o papa Francisco, ao qual ele sucederá? É esperado um perfil semelhante ou muito diferente?

Ele elogiou o papa Francisco no primeiro pronunciamento, e é visto como alguém mais moderado. Ele provavelmente não terá o mesmo carisma, o papa Francisco foi muito carismático - mesmo fora da igreja, é muito difícil encontrar pessoas assim, com essa humildade, com esse carisma, simplicidade, (o papa Francisco) foi uma pessoa única. Com certeza o Prevost vai ter um perfil carismático, ele fala bem, ele tem uma voz calma, ele se manteve longe dos holofotes durante a vida dele, ele também não deu muitas entrevistas, mas ele é visto como um reformista, alinhado a uma linha de abertura, implementada pelo papa Francisco. Ao mesmo tempo, ele tem uma formação sólida em teologia, então, de alguma forma, ele reúne características do Papa Bento XVI, de intelectualidade, com carisma, mas um pouco mais comedido do que o papa Francisco.

Quais os desafios diplomáticos que o papa Leão XIV vai enfrentar?

O novo papa chega num momento em que o mundo está conflagrado por guerras. Tem a guerra entre Rússia e Ucrânia, que é a maior guerra em território europeu desde a Segunda Guerra, agora, com tropas, inclusive, da Coreia do Norte, que é uma coisa inimaginável, meses atrás. Tem as guerras no Oriente Médio, que não envolve só Gaza, envolve Israel, o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iêmen, a Jihad Islâmica na Palestina, o Hamas em Gaza, e, até há pouco tempo, o governo do Bachar Al-Assad, que agora tem um governo novo governo, mas que também tem tido bombardeios de Israel na região. Tem o programa nuclear do Irã, que já sofreu um ultimato, tanto do governo Trump, quanto do governo Netanyahu. Ainda tem a guerra no Sudão. Tem, nesse momento, ataques entre Índia e Paquistão, que são duas potências atômicas, e ainda fazem fronteira com uma terceira potência atômica, que é a China. E, somado a tudo isso, tem as ameaças do presidente dos Estados Unidos de usar a força pra tomar o Panamá, Groenlândia, e chamando o Canadá de 51º Estado, que é algo que não se vê na postura de um presidente americano há muito tempo. Aliás, isso é proibido pela Carta da ONU, e os Estados Unidos defenderam esse sistema multilateral, ou seja, não faz nem sentido perante a estratégia dos Estados Unidos nos últimos 80 anos.

Já é possível adiantar quais devem ser as bandeiras, em âmbito global, defendidas e condenadas por ele? Deve manter a Igreja como uma voz crítica do sistema global ou adotar uma linha mais neutra e religiosa?

É difícil responder. O histórico dele cobrando, inclusive, desculpas do governo Fujimori pela ditadura (no Peru), e pelo fato de ele ser americano, deve ter uma influência maior dentro dos Estados Unidos nesse momento, embora a maior parte da população dos EUA seja protestante. O fato dele ser dos Estados Unidos pode criar uma voz de moderação, já que ele é um moderado dentro dos EUA. Agora, também é importante que não haja um embate direto entre ele e o Trump, porque o Trump pode transformar isso em escada política dentro dos Estados Unidos, como usou o embate com o Zelensky na Casa Branca. Então, não seria bom para a Igreja Católica, nem para o Vaticano, que houvesse confrontos diretos entre os dois, mas que as contestações (do novo papa) quanto às atitudes do Trump sejam feitas de forma moderada, educada, que não haja uma agressão entre o presidente dos Estados Unidos e o papa, que, afinal de contas, é um chefe de Estado também, o chefe da cidade-Estado Vaticano.

Por conta da nacionalidade de Leão XIV, podemos esperar uma relação mais pacífica com o atual governo americano do que a com Francisco, que era bastante crítico principalmente às medidas de imigração do Trump?

Eu não sei se por conta da nacionalidade, porque quando o papa Francisco criticava o Trump, ele não nomeava o Trump, ele dizia ‘olha, a construção de muros não é uma atitude cristã’.

Francisco se diferenciou por defender abertamente pautas relacionadas aos direitos humanos, como combate à fome e à desigualdade, justiça climática, mediação dos conflitos e paz mundial, acolhimento aos imigrantes e refugiados e a aproximação de minorias à Igreja. Como esses assuntos devem ser encarados a partir de agora?

Como o papa Leão XIV trabalhou muito tempo no Peru, por 15 anos, ele tem uma perspectiva da América Latina, então, ele consegue ter uma visão sobre a imigração que representa a América Latina. Assim como quando o papa Francisco chegou na Itália e viu aquelas embarcações com africanos chegando de náufragos, ou pessoas que chegavam morrendo ou mortas em território europeu, ele também criticou as políticas de imigração, tanto as políticas do Trump nas Américas, quanto as políticas da União Europeia.

Agora, quando o papa Francisco se posicionou quanto às questões climáticas, ele foi muito incisivo, ele criou uma encíclica para isso (a encíclica Laudato Si, de 2015), ele colocou a Igreja, de fato, formalmente nessa questão climática, inclusive, a escolha do nome Francisco, que é o defensor dos animais, da natureza. 2015, inclusive, foi o ano do Acordo de Paris, então é muito difícil que a igreja recue nessa bandeira, porque nós estamos falando de uma questão que ameaça a humanidade. E veja, o Trump foi veementemente contra o Acordo de Paris, uma das primeiras coisas que ele fez quando assumiu foi sair do Acordo de Paris.

Já era esperado pelos especialistas que o próximo papa não seria um latino-americano novamente, mas Prevost é, além de norte-americano, também peruano. Ele foi naturalizado após trabalhar quase duas décadas no Peru. Isso significa que o Vaticano vai continuar dando uma atenção maior para a região, assim como fez Francisco?

É muito provável que seja um bom relacionamento com a América Latina. Também deve haver um bom diálogo inter-religioso (que começou com) aquele documento que o papa Francisco publicou em 2019 (Documento sobre a Fraternidade Humana). A abertura da Igreja com a China, inclusive, aceitando o diálogo para que a China indique bispos.

E o diálogo com outras regiões do mundo, como Europa, Ásia e África?

Onde vai ser mais complicado, provavelmente, é no diálogo com a Rússia, porque o líder da igreja ortodoxa russa apoia a guerra de agressão do Putin contra a Ucrânia, apesar dos crimes de guerra a olhos vistos - mísseis contra civis, drones contra áreas civis, sequestro de 16 mil crianças e aquele mandado de prisão no Tribunal Penal Internacional contra o Putin. Por conta disso, o papa Francisco chegou a pedir diálogo com o Putin, isso foi ignorado, ao contrário do Zelensky, que encontrou com o papa.

O problema é que o mundo atravessa uma situação de muitos conflitos. O Irã, por exemplo, conecta não só as guerras do Oriente Médio com a guerra entre Rússia e Ucrânia, mas também conecta elas com o conflito que está havendo entre Índia e Paquistão nesse momento. Então, como é que a gente imaginaria um novo papa mediando qualquer conflito que envolva o Irã? Não vai ser ouvido. Ou a Coréia do Norte? Não tem chance de ser ouvido pela Coréia do Norte. São países que não terão nenhuma abertura para diálogo de mediação, porque não tem apelo católico, cristã dentro deles, e tradicionalmente não ouve o papa como mediador.

O estreitamento da relação do Vaticano com a China ocorreu a partir do trabalho do papa Francisco, que sofreu críticas inclusive de setores da própria Igreja por isso. Agora com um papa norte-americano, essa relação com o país asiático pode esfriar, principalmente no contexto de uma guerra comercial entre os dois países?

Não me parece que seja o caso, pelo menos não por enquanto, só pela nacionalidade do papa, porque ele passa a representar algo que vai muito além da nacionalidade dele, n representa a Igreja. E nem é do interesse da China romper com isso, sobretudo porque a China tem um 1,4 bilhão de pessoas, então existe possibilidade de crescimento da Igreja Católica ali. O acordo (da China indicar bispos) foi renovado em 2024 e vai ser renovado em 2028. Me parece que não há interesse de nenhum dos lados em recuar, em romper esse acordo.

Mas o Xi Jinping diz que quer recuperar Taiwan ainda durante o governo dele, ou seja, existe uma projeção de que a China poderia atacar Taiwan até 2027. Então como é que a Igreja reagiria a isso? A gente não sabe. O Vaticano reconhece Taiwan. Nessa prospecção de cenários, se houver um ataque da China a Taiwan, a questão não é só sobre a Igreja católica, a gente vai ter que falar como os Estados Unidos iriam reagir, o Japão, a Coreia do Sul, a Nova Zelândia, a Austrália. É muito maior do que a relação entre a Igreja e a China.

Ao mesmo tempo que o Vaticano se aproximou da China, o papa Francisco tinha uma relação mais distante com Trump. Isso deve ficar mais pacífico agora com um papa norte-americano e mais moderado?

A tendência é de neutralidade, inclusive essa é a vocação do Vaticano. Se o Vaticano começar a se alinhar ao Trump, aí vira um braço político, isso não deve acontecer. E não tem nem por que acontecer, não existe necessidade de fazer isso. E existem freios e contrapesos também dentro do Vaticano, embora o papa seja um monarca. Não me parece ser o caso da influência da igreja diminuir nos Estados Unidos, onde a população católica é de cerca de 53 milhões de pessoas, isso dá cerca de 23% da população total. A Igreja Católica é muito forte, sobretudo entre os hispânicos. Então, se a gente está falando de um papa que é dos Estados Unidos, mas que teve forte atuação no Peru, a gente está falando de um papa que tem apelo também com a população hispânica nos Estados Unidos, e isso é muito relevante.

Sobre o conflito Israel e Hamas, o Papa Francisco já chegou a defender os palestinos na Faixa de Gaza. Há indicativos de como isso vai ser tratado a partir de agora e qual é o desafio do próximo papa com este conflito?

O desafio é, pelo fato de ele ser dos Estados Unidos, tratar da questão da Faixa de Gaza de uma forma equilibrada e diferente dessa que o Trump está propondo, de transformar a Faixa de Gaza numa “Riviera”. Porque isso é completamente desumano. Ali tem 2,3 milhões de pessoas, o Hamas tem cerca de 30 mil integrantes, e você não pode penalizar 2 milhões e 300 mil por conta de 30 mil. Então, isso não é bem visto por ninguém do mundo civilizado, quem é que apoia uma coisa dessas? Assim como não é bem visto por ninguém na Europa o ataque que o Putin faz à Ucrânia. Dos 27 países da União Europeia, só a Hungria, do Orbán, se alinha com o Putin. Então a questão é, se houver diálogo sobre Gaza, como o novo papa vai conversar com o Trump e dizer que a ideia dele para a Faixa de Gaza é um disparate? Inclusive, porque ele quer criar refugiados, o que viola completamente o direito humanitário. Para onde essas pessoas vão? Não pode ser desse jeito. E ao mesmo tempo, precisa haver um diálogo com Israel, porque o que o Netanyahu está propondo agora é uma ocupação de território pela força, que também viola a carta da ONU, assim como Putin viola a carta da ONU anexando territórios à força na Ucrânia. Ou a China violaria a carta da ONU tentando anexar Taiwan pela força. Lembrando que o Vaticano é um país observador na ONU.

Então o discurso do novo papa deve ser divergente com o do Trump sobre a faixa de Gaza?

Necessariamente. Não tem como conciliar as duas coisas. Isso de tirar as pessoas de onde elas vivem e enviar para outros países é completamente contra os princípios cristãos. Seria um absurdo o papa apoiar isso.

E com relação à guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que o Papa Francisco chegou a tentar intermediar um acordo de paz? Pode haver uma dificuldade extra do Vaticano exercer o papel de mediador a partir de agora?

Não me parece que países que queiram realmente chegar à paz iriam negar qualquer tipo de mediação diplomática. Olha o Sudão, por exemplo. O papa Francisco beijou os pés dos beligerantes do Sudão. A questão é que, se a Rússia realmente quisesse fazer a paz na Ucrânia, ela poderia, inclusive, aceitar uma mediação do Vaticano. Mas o Putin tem um plano de anexação de territórios, de tentar reconstruir parte ou todo o poder da extinta União Soviética. Então a questão é, não se trata exatamente só do respeito que você tem pelo Vaticano, porque os russos também enviaram pessoas para o funeral do Francisco. Se trata de querer realmente a paz, porque se você quer realmente, você aceita mediadores. O que acontece é que a Rússia não quer, ela não reconhece o direito da Ucrânia de existir como país.

Como será o papel do papa em outros conflitos para além de Gaza e Ucrânia, em áreas que não afetam diretamente a Europa e tendem a receber menos atenção?

Ele vai precisar ser ativo, porque nós estamos atravessando o momento de maior crise geopolítica desde 1962, quando houve crise dos mísseis em Cuba, e que quase começou a Terceira Guerra Mundial. Então, necessariamente, alguém que lidere o Vaticano vai precisar se apresentar como uma voz pela paz e pela mediação, porque, senão, perde o papel de relevância que tem na esfera internacional.

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