Desembargadores do TJPE criticam norma que autoriza aborto sem autorização dos pais
A resolução, publicada em janeiro, permite que crianças e adolescentes solicitem a interrupção da gravidez sem o conhecimento dos responsáveis
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Cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) manifestaram apoio à nota da Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e Juventude (Abraminj), que se posiciona contra a Resolução nº 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
A normativa permite que crianças e adolescentes solicitem a interrupção da gravidez sem o conhecimento ou consentimento dos responsáveis legais.
A resolução foi suspensa pela Justiça Federal do Distrito Federal em dezembro de 2024, mas foi publicada no Diário Oficial da União em janeiro de 2025.
A Associação de Magistrados da Infância e Juventude aponta, que de forma ilegal, a resolução da Conanda, nos artigos 23 a 25, preveem que menores possam buscar serviços de saúde para interromper a gestação sem a presença dos responsáveis ou de um representante legal.
O trecho mais polêmico publicado no Diario Oficial é o seguinte: “Se a adolescente ou até mesmo a criança afirmarem que não desejam que o contato [com os responsáveis] seja realizado, todo o procedimento (...) ocorrerá sem a presença e/ou ao menos conhecimento dos responsáveis legais”.
Para os cinco magistrados do TJPE que deram apoio à Abraminj, a medida ultrapassa os limites legais.
“A Resolução do Conanda está completamente equivocada e invade um campo de competência que não lhe é atribuído, sendo, além de tudo, um erro de natureza profunda, de desvirtuamento de todo o ordenamento jurídico nacional”, declararam em nota conjunta. O grupo defende que a normativa seja revogada.
O coordenador estadual da Infância e Juventude do TJPE, desembargador Élio Braz Mendes, reforçou que a resolução contraria os marcos legais nacionais e internacionais, como a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU.
“A normativa subtrai a proteção integral concebida como marco civilizatório no mundo inteiro para garantia do sujeito de direitos, pela representação ou pela assistência de seus pais ou responsáveis (...) Deste momdo, deve ser recomendado o bom senso, em especial, que seja revogado e que sejam tomadas as providências para caçar sua validade”, diz um trecho do comunicado divulgado pelo grupo.
Os magistrados também criticam a tentativa de criar, via resolução administrativa, uma situação que permite a menores de idade exercerem atos civis sem representação ou assistência, em contrariedade ao Código Civil.
Assinam o manifesto a desembargadora Valéria Wanderley e os desembargadores Luiz Carlos Figueiredo, Élio Braz Mendes, Marcelo Russel Wanderley, Humberto Vasconcelos e Bartolomeu Bueno.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) é um órgão colegiado que define e fiscaliza as políticas e ações de proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes.
O CONANDA foi criado em 1991 pela Lei nº 8.242. Ele é um órgão permanente, integrante da estrutura do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Entenda mais a situação
A decisão do Conanda tem gerado polêmica em todo país, até porque fere a Constituição Brasileira. A Resolução nº 258/2024 do Conanda pode ferir a Constituição Federal Brasileira e outros marcos legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil. As principais críticas levantadas por juristas e entidades como a Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e Juventude (Abraminj) são as seguintes:
1. Violação da proteção integral
A Constituição Federal (art. 227) e o ECA garantem à criança e ao adolescente o direito à proteção integral, o que inclui a assistência e representação por pais, responsáveis legais ou autoridades competentes. Permitir que um menor de idade tome decisões tão complexas, como a interrupção da gravidez, sem o conhecimento ou consentimento dos responsáveis, poderia ser interpretado como uma violação desse princípio.
2. Incompatibilidade com o Código Civil
O Código Civil define que crianças (menores de 12 anos) têm incapacidade absoluta e adolescentes (entre 12 e 18 anos) possuem incapacidade relativa, ou seja, precisam de representação ou assistência para tomar decisões legais. A resolução do Conanda, ao permitir que menores decidam sobre a interrupção da gravidez sem a participação de responsáveis, cria uma exceção não prevista em lei, o que ultrapassa os poderes de uma norma administrativa.
3. Usurpação da competência legislativa
A Constituição (art. 22) estabelece que apenas a União, por meio do Congresso Nacional, pode legislar sobre direito civil e penal. A resolução do Conanda é de caráter administrativo e não pode criar ou alterar normas que impactem direitos civis, como a autonomia de menores para tomar decisões sobre atos da vida civil.
4. Exclusão do Poder Judiciário
Nos casos de decisões sensíveis e complexas envolvendo menores, especialmente aquelas que afetam diretamente sua integridade física e psicológica, o Poder Judiciário costuma atuar como garantidor dos direitos. A resolução afasta essa possibilidade, excluindo a análise judicial e concentrando a decisão no âmbito administrativo, o que pode ser visto como um desrespeito à separação dos poderes.
5. Conflito com o direito à família
A resolução pode ser interpretada como uma afronta ao direito das famílias de exercerem sua autoridade, orientarem e protegerem seus filhos. Para muitos, isso subtrai o papel central da família na proteção integral da criança e do adolescente, garantido pela Constituição.
Conclusão
Embora a intenção do Conanda seja garantir o acesso seguro e célere aos direitos das vítimas de violência sexual, a Resolução nº 258/2024 enfrenta questionamentos jurídicos sérios, pois pode extrapolar os limites de uma norma administrativa e confrontar dispositivos constitucionais e infraconstitucionais fundamentais. Isso gera discussões sobre a necessidade de revisão ou judicialização da medida.
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