Como é o plano do governo e do CNJ que prevê cotas de emprego para presos em obras públicas
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O Conselho Nacional de Justiça e o Ministério da Justiça e Segurança Pública lançaram na quarta-feira, 12, o programa Pena Justa. Entre as ações está o Emprega 347, que incentiva a adoção de cotas de emprego para condenados em regime semiaberto e ex-detentos em obras do governo federal, principalmente as do Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC). Atualmente, a legislação já prevê reserva de 3% a 6% das vagas para sentenciados em obras públicas federais.
Segundo o CNJ, não há definição sobre a quantidade de pessoas que serão contratadas. A partir de agora, com o acordo assinado, as instituições signatárias realizam os levantamentos necessários, considerando demandas do setor e os cenários de cada localidade.
“Importante destacar que a ocupação de vagas em contratos públicos por pessoas oriundas do sistema prisional não é uma criação do Pena Justa e do Emprega. O tema é abordado em dois dispositivos legais existentes há anos: a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional (PNAT), instituída pelo Decreto 9.450/2018, e a Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/2021)”, diz o CNJ.
O Brasil tem cerca de 670 mil pessoas privadas de liberdade. Mais de 90% são homens, 70% são pessoas negras e mais de 50% não concluíram o ensino fundamental, segundo dados do Conselho. Já conforme o MJ, do total dos detentos, 75,5% não trabalham, o que favorece a cooptação de presos pelas facções criminosas. Entre os que trabalham, 43,8% não recebem remuneração.
Conforme o plano, os presos irão trabalhar em obras de infraestrutura rodoviária e ferroviária, inclusive em projetos de compensação ambiental dessas obras, como no plantio de mudas de árvores para reflorestamento. Haverá criação de linha de crédito social e oferta de qualificação profissional para ex-detentas.
Violação de Direitos Humanos
O programa atende a uma decisão do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347 que reconheceu um “estado de coisas inconstitucional” no sistema carcerário brasileiro, responsável pela violação massiva de direitos dos presos. Em 2023, o STF determinou a cooperação do poder público para resolver os problemas.
O braço trabalhista do projeto será objeto de resolução do CNJ. O acordo estabelece “fomentar a efetivação das cotas legais de pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional”. A PNAT estabelece a reserva de vagas de trabalho para pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional em contratos da administração pública federal, incluindo serviços de engenharia acima de R$ 330 mil anuais.
Segundo o decreto, deverão ser reservados 3% das vagas quando o contrato demandar 200 trabalhadores ou menos; 4% das vagas no caso de 200 a 500 trabalhadores; 5% das vagas no caso de 501 a 1.000 funcionários; e 6% quando o contrato exigir mais de mil trabalhadores. .
Já a Lei de Licitações prevê a reserva de vagas para a contratação de pessoas em situação de vulnerabilidade social, abrangendo pessoas privadas de liberdade e egressas das prisões. Até o momento, segundo o CNJ, o inciso que trata dos detentos e ex-detentos não foi regulamentado.
“Para garantir a efetividade dessas leis atualmente em vigor no País, o acordo estabelece um plano de trabalho para que essas contratações ocorram, não abordando percentuais, mas, sim, o alinhamento de ofertas de acordo com a demanda dos contratantes”, diz o Conselho.
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No caso do Emprega 347, segundo o governo, o objetivo é garantir empregos remunerados para 100% dos presos que podem trabalhar. O plano envolve o Ministério dos Transportes, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a Agência Nacional de Transportes Terrestres e a Infra SA, que também são signatários do acordo de cooperação técnica.
As empresas contratadas para obras do Novo PAC também terão de reservar vagas para os sentenciados. O acordo tem vigência de 36 meses e pode ser prorrogado. " Ao garantir trabalho para esse público, o objetivo é contribuir com políticas de segurança pública, uma vez que o trabalho tem o potencial de evitar a retroalimentação da criminalidade”, reforça o CNJ.
Além da ampliação de vagas para os apenados, o Pena Justa pretende colocar em prática políticas de acesso à educação, estabelecer um controle permanente da superlotação dos presídios, e garantir aos presos condições de salubridade medida um sistema de certificação.
Hortas e produção de alimentos nos presídios
O plano também prevê a utilização de espaços disponíveis em unidades prisionais para a produção de alimentos, como hortas, destinados tanto ao consumo interno, quanto à comercialização para comunidades próximas. Ao todo são 300 metas de melhorias no sistema prisional a serem cumpridas até 2027. Os prazos e indicadores serão monitorados pelo STF.
Conforme o CNJ, durante a elaboração, em 2024, o plano foi discutido com a sociedade e foram apresentadas mais de seis mil sugestões em audiências e consultas públicas. A iniciativa tem apoio técnico do Fazendo Justiça, programa coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
Em nota, o MJSP informou que o acordo de cooperação técnica não prevê criar cotas para os presos, mas a efetivação da legislação já existente sobre o tema. Destaca que um dos objetivos principais do Pena Justa é retomar a presença do Estado brasileiro no sistema prisional.
A partir do Pena Justa, o objetivo é transformar as mais de 1.300 unidades prisionais de todo o País em pólos de produção. “Temos a convicção de que essa medida é um instrumento fundamental para reduzir as chances de cooptação pelas organizações criminosas e, consequentemente, colocar um freio na influência dessa facções também fora dos presídios – uma vez que são dos presídios brasileiros que parte muitas das orientações aos criminosos que estão nas ruas”, diz.
Em entrevista à GloboNews na manhã desta segunda, 17, o promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), Lincoln Gakiya, criticou a proposta. Na avaliação dele, o governo precisa priorizar quem ele classifica como “população de bem”, que atualmente não pode sair na rua com o celular por conta da violência.
“A segurança pública passa por uma crise no País todo. Todos os governos, inclusive o governo federal, têm sido mal avaliados no quesito segurança pública. A população está insegura, o sentimento de insegurança é muito grande. Em que pese essas iniciativas de melhorar as condições carcerárias dos presos, a gente precisa também pensar na população de bem, no cidadão que sai de madrugada para pegar dois, três transportes coletivos e acaba sendo assaltado, não tem o mínimo de segurança. Hoje não se pode sair com o celular na rua mais, que tem a vida tirada a troco de nada”, afirmou. “As prioridades (do governo) estão um pouco invertidas”, completou.
Os sete pilares do Pena Justa:
- Nova Regulamentação: Resolução do CNJ com diretrizes para o emprego digno e remunerado, com previsão de financiamento público-privado e uso de prestações pecuniárias para garantir estrutura básica de trabalho e capacitações contínuas.
- Infraestrutura e Meio Ambiente: Resolução do CNJ com diretrizes para o emprego digno e remunerado, com previsão de financiamento público-privado e uso de prestações pecuniárias para garantir estrutura básica de trabalho e capacitações contínuas.
- Segurança Alimentar: Utilizar espaços disponíveis em unidades prisionais para a produção de alimentos. Realizar atividades educativas e capacitação de mão de obra de pessoas privadas de liberdade.
- Mulheres e Empreendedorismo: Qualificar profissionalmente e incentivar pequenos negócios conduzidos por mulheres egressas, com a criação de linhas de crédito social.
- Inovação: Com escritórios em todo o País, o Emprega Lab permitirá criação de ofertas de trabalho alinhadas ao potencial de cada unidade prisional, garantindo interlocução com o empresariado.
- Mobilização: Articular empresas para que ampliem a oferta de vagas de trabalho voltadas a pessoas privadas de liberdade, seguindo práticas de governança ambiental, social e corporativa (ESG).
- Reconhecimento: O prêmio Emprega-br será concedido anualmente para as melhores unidades produtivas e pessoas presas e egressas que se destacarem em suas atividades laborais, bem como profissionais que atuam no sistema penal envolvidos na organização dessas atividades.
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