Cidadania italiana tem nova regra aprovada no Senado: veja o que dizem os advogados
Escute essa reportagem
O Senado da Itália aprovou nesta quinta-feira, 15, o decreto-lei enviado pelo governo que restringe o reconhecimento da cidadania a descendentes apenas a filhos e netos de italianos. Com poucas modificações feitas pela Casa ao texto do governo, o decreto ainda precisa passar na Câmara dos Deputados e ser promulgado pela Presidência do país até 27 de maio para ser convertido em lei de forma permanente - caso contrário, perde a validade.
Caso o texto seja aprovado da forma como está, os descendentes de italianos precisarão que um dos pais ou avós sejam italianos sem dupla nacionalidade para reconhecer a cidadania ou então que um dos genitores (ou adotantes) seja italiano e tenha passado pelo menos dois anos seguidos na Itália depois do reconhecimento da cidadania e antes do nascimento do filho.
Menores de idade, filhos ou netos de italianos, poderão ter a cidadania se morarem por dois anos na Itália ou se os pais declararem vontade em adquirir a cidadania até a criança completar um ano de idade (ou um ano após ser adotada).
- Uma regra de transição do texto diz que, para descendentes menores de idade na data em que o decreto for convertido em lei, os pais terão até 31 de maio de 2026 para manifestar interesse na cidadania, desde que um dos pais já seja italiano ou tenha dado entrada no pedido até 27 de março de 2025.
Se a lei for promulgada, as restrições entram em vigor de forma permanente. Mas estão isentos das novas regras aqueles que protocolaram o pedido da cidadania italiana de forma administrativa ou judicial até o dia 27 de março (às 23h59 no horário de Roma), data em que o decreto-lei foi publicado pelo governo italiano.
Advogados consultados pelo Estadão avaliam que a medida deverá passar sem muitas modificações pela Câmara, com o texto final igual ou muito semelhante ao que foi aprovado no Senado, o que é muito prejudicial aos brasileiros, afirmam.
Os brasileiros e os argentinos devem ser os principais afetados, já que as duas nações são as que abrigam maior quantidade de descendentes de italianos. Em ambos os países, ao nascer em seu território, já se adquire a nacionalidade. Por isso, os ítalo-brasileiros e ítalo-argentinos com cidadania italiana reconhecida têm, via de regra, a dupla nacionalidade, o que seria um impeditivo para passar a cidadania aos descendentes - a não ser que tenham morado dois anos na Itália antes de terem os filhos.
No ano passado, mais de 20 mil brasileiros tiveram a cidadania italiana reconhecida. Na Argentina, foram mais de 30 mil descendentes.
Para todas as pessoas que aguardam há quase uma década nas filas dos consulados italianos no Brasil (para reconhecer a cidadania de forma administrativa sem sair do País) e ainda não foram convocados, ou mesmo aqueles convocados após o dia 27 de março de 2025, serão aplicadas as novas regras do decreto, explica o advogado Fábio Dias, sócio cofundador do FdS Advogados e parceiro do Cidadania4U.
“Na prática, isso significa que cerca de 95% das pessoas que estavam aguardando perderão seu direito ao reconhecimento da cidadania italiana”, afirma.
O governo italiano tem o apoio da maioria dos deputados, o que deve facilitar a aprovação na Câmara, dizem os especialistas. “É pouco provável que haja muitas alterações ao passar pela Câmara”, diz o advogado Fabio Gioppo, presidente do escritório Gioppo e Conti.
Corte Constitucional italiana é a ‘esperança’
A “esperança” dos descendentes de italianos fica por conta da Corte Constitucional, que poderia julgar a lei como inconstitucional, dizem os especialistas.
Para Manzini, uma lei com este texto afetaria um status jurídico originário, “violando os princípios da irretroatividade das leis e da confiança legítima na segurança do ordenamento jurídico”. Isso porque descendentes de italianos são considerados italianos desde o seu nascimento, mesmo nascidos no exterior, pelo princípio juris sanguinis adotado na Itália.
Portanto, o texto atual retroage retirando o direito de pessoas já nascidas, que já eram consideradas italianas, o que vai contra a Constituição italiana, dizem os especialistas. Para que não haja inconstitucionalidade, o texto deveria valer apenas para os nascidos após a data de publicação do decreto, explicam.
A visão é compartilhada por diversos especialistas no tema consultados pelo Estadão. “O decreto está dizendo que pessoas que nasceram italianas não são mais italianas, ou seja, desconstitui um direito que já havia, e isso fere a Constituição Italiana e o princípio da proteção ao direito adquirido”, diz Dias.
A emenda proposta no Senado que coloca como pré-requisito que um dos pais do descendente tenha morado na Itália por dois anos também é considerada inconstitucional por especialistas, pois acrescenta um critério impossível de ser adquirido por parte dos descendentes, já que “ninguém consegue retroagir no tempo para que os pais morem dois anos na Itália antes de seu nascimento”, explica Gioppo.
A aplicação da norma ainda resultaria num fenômeno de desnacionalização em massa, “contrário a todos os princípios constitucionais internos e internacionais”, acrescenta Manzini, que diz que contestará a inconstitucionalidade da lei na Justiça italiana.
Outros advogados também dizem já ter entrado com ações - ou que pretendem entrar após a aprovação final da lei - para reverter a medida. Porém, uma possível reversão das restrições não é garantida e poderia levar bastante tempo.
Comentários