Carlos Lupi pede demissão do ministério da Previdência em meio a escândalo no INSS
Apesar da ausência de provas de sua participação no esquema, prevaleceu no governo a ideia de que ele não tomou providências para deter o problema
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O ministro Carlos Lupi pediu demissão do ministério da Previdência nesta sexta-feira (2), em meio à crise dos descontos ilegais em aposentadorias e pensões do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
"Tomo esta decisão com a certeza de que meu nome não foi citado em nenhum momento nas investigações em curso, que apuram possíveis irregularidades no INSS", escreveu o ministro em rede social ao afirmar que havia entregado o cargo.
O ex-deputado federal Wolney Queiroz (PDT-PE), atual secretário-executivo da Previdência, foi empossado ainda na noite desta sexta-feira como novo ministro. A substituição ainda será publicada em edição extra do Diário Oficial da União.
Apesar da ausência de provas da participação de Lupi no esquema, prevaleceu no governo a ideia de que ele não tomou providências para deter o problema e também não reagiu como deveria após a explosão do caso.
Lupi se reuniu durante cerca de uma hora com o presidente Lula no Palácio do Planalto. Segundo um interlocutor do agora ex-ministro, ele estava "muito desconfortável" desde o anúncio da escolha do novo presidente do INSS, da qual ele não participou.
O procurador Gilberto Waller Júnior foi escolhido para chefiar o instituto, em substituição a Alessandro Stefanutto, demitido após operação da Polícia Federal e da CGU (Controladoria-Geral da União) para combater o esquema de descontos ilegais.
Lupi afirmou ter apoiado as investigações desde o início e disse esperar que haja punição rigorosa aos responsáveis. O pedetista disse ainda que vai continuar "acompanhando de perto e colaborando com o governo federal" para a devolução de recursos desviados.
"Faço questão de destacar que todas as apurações foram apoiadas, desde o início, por todas as áreas da Previdência, por mim e pelos órgãos de controle do governo Lula. Espero que as investigações sigam seu curso natural, identifiquem os responsáveis e punam, com rigor, aqueles que usaram suas funções para prejudicar o povo trabalhador", afirmou.
Segundo a investigação, descontos não autorizados em aposentadorias e pensões do INSS ganharam força a partir de 2019, no mandato do então presidente Jair Bolsonaro (PL), e atingiram a casa dos bilhões a partir de 2023, no terceiro mandato de Lula. O aumento atípico nos últimos anos -com movimentações no Congresso que impediram regras mais duras para esses débitos- chamou a atenção.
Em entrevista à Folha de S.Paulo nesta semana, Lupi disse ter certeza de que havia "safadeza de muita gente", mas argumentou que o governo não foi omisso no caso. "Eu não tenho preocupação nenhuma, não fui omisso em nada", afirmou.
"Agora, são 6 milhões de processos, não é simples investigar. A Previdência Social tem mais de 1 milhão de pedidos novos por mês, não pode parar a Previdência. É tudo complexo, tudo difícil", completou.
Além de não ter consultado Lupi sobre o futuro do INSS, Lula deu carta branca para que o novo presidente adotasse medidas saneadoras, incluindo mudanças na estrutura do órgão. Pesou para a escolha o perfil técnico, descrito como de "xerife", de Waller.
Logo após a operação, Lupi saiu em defesa de Stefanutto. "A indicação do doutor Stefanutto é de minha inteira responsabilidade. Ele é procurador da República, um servidor que, até o presente momento, tem me dado todas as demonstrações de ser exemplar", declarou.
Ao longo da semana, colaboradores do presidente foram acumulando críticas a Lupi, desde a manutenção de integrantes da velha estrutura do INSS à resistência a exonerar Stefanutto.
A controladoria aponta que o INSS ignorou alertas feitos pelos órgãos de controle no ano passado. Segundo a CGU, foram enviados seis ofícios entre 8 de maio de 2024 e 12 de julho daquele ano, pedindo providências, que teriam ficado sem resposta.
Procurado, o INSS nega que alertas tenham sido ignorados. O órgão diz que respondeu a uma recomendação da CGU pedindo explicações sobre o ofício enviado, mas não obteve resposta.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo federal só adotou medidas para conter o aumento de cobranças indevidas em aposentadorias e benefícios no início de 2024, quando o tema já era auditado pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
A demissão nessa sexta-feira não foi a primeira em que o líder do PDT deixa o governo sob pressão. Em 2011, Lupi também pediu demissão e deixou o governo Dilma Rousseff (PT) após uma sequência de denúncias que colocavam em xeque suas relações com ONGs (Organizações Não-Governamentais).
O primeiro foco de crise à época foi uma reportagem da revista "Veja" que apontava assessores pedindo propina a ONGs para manter contratos com a pasta. Depois, a Folha de S.Paulo mostrou que Lupi beneficiava ONGs ligadas ao PDT, algumas sob investigação da Polícia Federal.
Uma carona em um avião fretado por uma dessas organizações deu a Lupi um processo por improbidade administrativa.
A Folha de S.Paulo também mostrou que ele foi "funcionário-fantasma" da Câmara dos Deputados por quase seis anos, quando acumulava o cargo com outra função na Câmara Municipal do Rio.
Ele ocupava o cargo desde 2007, ainda no segundo governo Lula.
Quando as suspeitas foram tornadas públicas, Lupi chegou a dizer que duvidava que seria demitido. "Duvido que a Dilma me tire. Para me tirar só abatido a bala", afirmou à época. Dois dias depois, em comissão na Câmara, pediu desculpas à presidente e emendou um "eu te amo", a que Dilma respondeu ironicamente: "Não sou propriamente romântica".
Lupi também não passou ileso pela operação Lava Jato. Ele e Marcelo Panella, tesoureiro do PDT e chefe de gabinete do ministro até esta sexta, foram acusados por colaboradores da Odebrecht de receber recursos ilegalmente.
Conforme os depoimentos à Lava Jato, os dois negociaram o repasse de R$ 4 milhões ao partido em 2014, por meio de caixa dois, com o objetivo de vender o apoio da legenda à chapa de Dilma Rousseff.
Lupi foi acusado de receber outros R$ 400 mil no mesmo ano, também não declarados à Justiça, para sua campanha derrotada ao Senado. O objetivo da Odebrecht seria comprar a adesão dele à causa da privatização do setor de saneamento. O PDT sempre disse que os colaboradores da empreiteira não tinham provas.
Mesmo licenciado da presidência do PDT, Lupi seguia na executiva e comandava as conversas para a formação de uma federação com outras legendas, como PSB e Solidariedade, mas via dificuldades no modelo. Com o PSB, a negociação ainda enfrenta a disputa dos irmãos Ciro Gomes (PDT) e Cid Gomes (PSB).
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