“Relação de pai e filho é aprendizado constante”, diz Marcello Airoldi
Em entrevista ao AT2, o ator, que estreia a peça “Misery” em Vitória, fala sobre como seus filhos têm mudado sua vida
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Seja no teatro, na TV ou em casa, o ator Marcello Airoldi, 52, não subestima a inteligência de uma criança. Pai de Dante, 9, e Toti, 5, ambos frutos da relação com a atriz Carolina Parra, ele já entendeu que tem muito o que aprender com a garotada.
“Você não pode partir do princípio de que, por ser mais velho, vai ensiná-los. Eles nem aceitam isso, são muito inteligentes, ativos. É uma relação de aprendizado constante”, salienta, ao AT2.
Nascidos e criados na coxia, onde Airoldi soma 33 anos de carreira, os garotos opinam no trabalho dele. “O Dante me assiste e diz: 'Pai, posso dar uma opinião?' E não é incomum ele estar certo!”, admite.
No momento, o paulista roda com a peça “Misery”, que estreia em Vitória no próximo fim de semana e ainda tem Mel Lisboa e Alexandre Galindo. Ele também é diretor do infantil “E o Zé, Quem É”, estrelado pela mulher dele.
O artista acredita que a chegada dos herdeiros estimulou seu trabalho com esse público. “Meus projetos para crianças ganharam mais força com a chegada deles. Tenho escrito coisas que foram histórias que eu contava pra eles. Transformei em contos ou ideias para novas peças”, diz o ator, cujo último papel na TV foi em “Poliana Moça”, na TV Tribuna/SBT.
Airoldi ainda ressalta o desafio que é escrever para os pequenos. “Você não pode subestimar a inteligência deles e precisa fazer uma ligação entre eles e os pais. Procuro escrever de uma forma em que os pais sejam tão provocados quanto a criança, para que haja um dialogo. O espetáculo não acaba no teatro. É preciso que fique ali uma provocação, um questionamento”.
Marcello Airoldi ator, autor e diretor - “Me arrepiei, me emocionei”
AT2: Vem a Vitória com “Misery”. Como rolou o convite para essa peça baseada em clássico de Stephen King?
Marcello Airoldi: Olha que engraçado: na década de 90, quando saiu “Louca Obsessão”, assisti logo quando foi lançado no cinema, porque sou fã do James Caan. Tenho um amigo que, na época, me ligou e falou: “Airoldi, por que a gente não faz esse filme no teatro? Olha que roteiro maravilhoso!”. E essa história nunca se realizou com ele.
Um dia, estou eu em casa e me liga Wesley, da WB, me convidando para fazer “Misery”. Me arrepiei, me emocionei, porque, caramba, olha como as coisas vão se ligando à vida da gente, sem que a gente controle exatamente tudo? E topei conversar com o diretor Eric Lenate. Ele é genial! O que ele construiu com o cenário, a movimentação do cenário para gerar o suspense, é realmente de tirar o chapéu.
Como essa tensão é criada?
Através de um conjunto de coisas. Tudo está milimetricamente construído para que esse suspense contagie a plateia. O público está acompanhando o drama dos dois personagens e sabe que cada um deles está dizendo coisas que não são a primeira linha de raciocínio. Tem muita estrelinha. A trilha sonora tem um peso importantíssimo nessa questão do mistério. A iluminação, a movimentação cenográfica... é o que mantém a plateia grudada na cadeira.
Como é a relação entre esses dois personagens?
O que a gente vê no cinema é uma Annie Wilkes que logo de cara dá pinta de desequilíbrio. E o nosso espetáculo começa de um outro jeito. A Annie da Mel, feita brilhantemente por ela, é leve, muito diferente da construção da Kathy Bates.
Ela tem momentos de quase inocência diante dessa relação com um homem poderoso, rico, e que, pela primeira vez, se vê numa situação em que sua vida não está nas mãos dele. Ele está sob a responsabilidade dela. Então, o que a gente vê é uma relação que vai se transformando em algo extremamente difícil. Apesar da Annie fazer o que faz, o Paul não é um santo.
“Misery” recebeu 5 indicações ao Prêmio Bibi Ferreira. O que te faz acreditar que Paul é um personagem relevante para a sua trajetória?
As indicações sempre são importantes, especialmente para a continuidade do trabalho, porque elas dão credibilidade. Mas, para mim, poder fazer esse personagem é o que é mais importante. A gente tem essa loucura de ator de comprar briga de personagem. Já não bastam nossas questões, mas a gente tem um prazer imenso em tentar vasculhar o que esse personagem tem de mais rico, sem que seja eu, o Marcello Airoldi, fazendo. Isso é o que mais me move em fazer teatro: é descobrir essas características do personagem. E essas caraterísticas sempre nascem da relação com outros personagens.
Durante a pandemia disse que o teatro online tinha vindo pra ficar. Depois desse período turbulento, tem o mesmo pensamento?
O que percebo é que há uma busca pelo teatro novamente. Há uma valorização do público, o desejo de conhecer teatro e de voltar ao teatro. Entendo que a potência do teatro é exclusiva, não se dá em outra linguagem artística.
Acho que o teatro online tem espaço e daqui a pouco começa a se reencontrar. Essa outra forma de apresentar dramaturgia na internet vai permanecer. É um universo que ganhou força na pandemia, mas que pode, sim, continuar a ser estudado para viabilizar o acesso das pessoas ao teatro. Pode ser uma outra linguagem pro ator, diretor e pro dramaturgo trabalharem. Uma outra possibilidade dentro das artes cênicas.
Foram muitos os desafios desde quando se apaixonou pelas artes cênicas. Qual é o maior desafio para seguir na arte hoje?
A força que o teatro ganhou depois da pandemia, a necessidade que as pessoas têm de voltar a fazer teatro e do público de ir aos espetáculos mostra o quanto ele é uma usina de reflexão sobre nós mesmos. O teatro não tem papas na língua, não vai dizer que é este é um país maravilhoso sempre. Vai fazer com que você se olhe, se veja no palco de uma forma que você jamais se veria, que só a arte pode proporcionar.
Faltam políticas públicas. O público tem que entender junto com os artistas que esse dinheiro é um investimento que volta economicamente pro país. Ninguém fica rico com Lei Rouanet. Ela viabiliza a execução de projetos artísticos que justamente são importantes para mostrar quem a gente é e quem a gente quer ser no futuro.
O que diria hoje para aquele garoto que, aos 15 anos, trabalhava como office boy e descobria que o salário que recebia não podia bancar um curso de teatro?
Diria assim: Continua, vai estudar, procura outra escola, procura uma bolsa de estudos para o teatro, vai ler, vai prestar vestibular para teatro. Tudo que eu fiz, sem perder jamais a esperança e a coragem de se fazer teatro.
É um ato de coragem ser ator, diretor e ser público do teatro. Porque você sai do conforto da sua sala. É uma arte que proporciona esse encontro presencial e nada é mais valioso que isso numa sociedade.
Acredita ser um pai exemplar, assim como seu personagem Davi era em "Poliana Moça"?
Não me considero exemplar não. Aliás, é difícil ser pai, ser mãe, e a gente so descobre isso quando se transforma em um. Então, essa romantização de que é tão bonito ter filho é até a página 2. Porque o dia a dia é muito complicado. Educar um filho é muito difícil.
SERVIÇO
“Misery”
O quê: Espetáculo a partir do romance de Stephen King. A peça de suspense, que integra o projeto Diversão e Arte ArcelorMittal, é estrelada por Mel Lisboa, Marcello Airoldi e Alexandre Galindo. Direção de Eric Lenate.
Quando: Dias 19 e 20 de agosto. Sábado, às 20h, e domingo, às 17h.
Onde: Teatro Universitário da Ufes, em Goiabeiras.
Ing.: Gratuito, mediante a troca de 1kg de alimento não perecível (exceto sal, açúcar e leite longa vida). A troca tem início terça-feira, dia 15, na bilheteria do teatro, a partir das 14h.
Clas.: 14 anos.
Inf.: 2142-5350.
“Como a Arte Transforma”
O quê: Palestra com Alexandre Galindo, Marcos Rinaldi, Marcello Airoldi, Mel Lisboa e Wesley Telles.
Quando: Domingo, dia 20, às 10h.
Onde: Teatro Universitário da Ufes, Goiabeiras, em Vitória.
Inscrições: Gratuitas, através do sympla.com.br.
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