Onde estão as mulheres na música?
Coluna foi publicada no sábado (05)
“Não, no período renascentista não tem mulher compositora”. Foi assim, de forma definitiva, que um professor respondeu a uma estudante sobre a dificuldade para encontrar composições feitas por mulheres no Renascimento. De fato, não é fácil identificar compositoras renascentistas, mas asseverar a inexistência delas soou para mim como desconhecimento profundo da capacidade feminina para atuar em qualquer área, independentemente da época.
Em 1500, auge do Renascimento, viviam na Europa Ocidental, Leste Europeu e Rússia, pouco mais de 87 milhões de pessoas, 20% da população mundial. É razoável supor que nenhuma mulher tenha produzido música digna de registro? Considerando que o movimento renascentista vigorou do século XIV ao XVI, é razoável aceitar que nesses 100 anos não tenha existido mulheres compositoras?
A produção masculina está bem representada por nomes como William Bird, Guillaume Dufay, Josquin des Prez e Giovanni Pierluigi da Palestrina, entre tantos compositores geniais, porém sobre a produção das mulheres paira um silêncio perturbador. Felizmente, Maria Rúbia Andreta, a estudante à qual me referi – e jamais suprimiria o nome que se opõe ao apagamento das nossas realizações –, foi pesquisar e descobriu Maddalena Casulana (1544–1590, Itália), a primeira a ter as obras publicadas no período. Eu também pesquiso sobre compositoras apagadas pela história, e como resultado já apresentamos ao público capixaba compositoras pouco conhecidas, como Bianca Maria Meda (1665–1700, Itália), Guadalupe Olmedo (1854-1889, México), Teresa Carreño (1853–1917, Venezuela), entre outras.
Surge, atualmente, um movimento que pleiteia mais equidade na área da música, visando evitar que talentos incríveis sejam desperdiçados e, principalmente, para que haja mais oportunidades às mulheres que dedicam seus esforços à pesquisa e à produção musical. Em setembro, o Theatro Municipal de São Paulo abrigou evento dedicado ao tema, o “Abram Alas: A Batalha por Equidade na Indústria Musical”, com especialistas, artistas e líderes do setor debatendo estratégias para enfrentar desigualdades e criar oportunidades.
Aqui, a Filarmônica de Mulheres do Espírito Santo (Femes), que nasceu em 2019 a partir da mobilização de musicistas capixabas, é um espaço qualificado de expressão musical feminina. Pesquisamos e trabalhamos arduamente para colocar em cena a música produzida por mulheres, como justo reconhecimento a compositoras que foram e são silenciadas.
Sim, há avanços significativos que devem ser comemorados. Mas há muito a conquistar, como bem anotou Maddalena Casulana, em 1566, no seu primeiro livro de concertos: “estes meus primeiros frutos, por mais falhos que sejam… mostram ao mundo o erro fútil dos homens que se acreditam patronos dos altos dons do intelecto, que segundo eles não podem ser mantidos da mesma forma pelas mulheres”.