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Tribuna Livre

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Colunista

Leitores do Jornal A Tribuna

O fim de tudo e o valor do percurso

| 13/06/2021, 10:27 10:27 h | Atualizado em 13/06/2021, 10:30

Imagem ilustrativa da imagem O fim de tudo e o valor do percurso
|  Foto: Divulgação

A tempestade pandêmica inundou os dias com a feição de rio da vida. O tempo da morte caudalosa trouxe à tona a transitoriedade que sempre resistimos navegar. E o redemoinho que mói sem parar acabou fazendo emergir um fantasma das profundezas: como lidar com a efemeridade de tudo, da própria vida?

Sob a consciência latejante da onipotência do fugaz, perdas, lutos, cansaços e medos podem acabar tirando o ânimo da experiência, o sabor da vivência. Já que tudo o que foi, é e será terá sido já, já, valeria a pena ocupar-se de buscar o belo, esperançar o sonho, afeiçoar-se ao projeto, alimentar o desejo, insistir no amor?

Por incrível que pareça, essa é uma angústia que tem calado profundamente em nossa juventude. Mas não só! O que pode indicar que a conjugação da vida em pandemia acaba por impor uma urgente análise sintática do existir, além de uma revisão da escritura do viver.

Ao contrário da natureza da vida, a maioria aposta na lógica da conservação. Talvez por temor de que a sucumbência ao finito geral e irrestrito possa interditar uma possível significação para o intervalo que temos sob o Sol. Mas é preciso lembrar que o sentido da vida é mesmo o de dar um sentido à vida, dia após dia, inclusive porque marchamos sob a cadência das despedidas.

Ao fim, há apenas uma escolha entre as alternativas possíveis, tão acentuadas nestes dias tenebrosos: tentar anestesiar-se da vida, viver angustiado com a sina da finitude ou transigir com términos e faltas, negociando reinícios sem parar. O xis da questão pode ser indicado pela poética metáfora de Quintana: “Nunca dês um nome a um rio: Sempre é outro rio a passar. Nada jamais continua, tudo vai recomeçar”.

Por mais dura que seja a contingência, é preciso fazer do limão da fugacidade a limonada da vontade. Afinal, falta também enseja desejo, o motor da vida. O desafio é que o lidar com a privação e o desejar não são habilidades inatas. Adquirem-se no berço da subjetivação submetida a limites ou nos divãs de reescrita da ficção em que fomos inscritos sob a opressão do desejo do outro. Mas esse é um aprendizado possível – e vital.

Na voz de Mercedes Sosa, o alerta: “O que mudou ontem terá de mudar amanhã”. Até mesmo diante da destruição acelerada da guerra, Freud contesta que transitoriedade implique desvalorização. “Pelo contrário. Valor de transitoriedade é valor de raridade no tempo”.

Encante-se, pois, com as possibilidades do percurso, sem foco no luto. Novos inícios são o destino. Tenha coragem de sonhar, persistir, reinventar. Não despreze nenhuma oportunidade de fruir ou aprender, por mais efêmero que seja o fato ou o afeto.

No ocaso, seremos a soma e o resto do que experimentamos. E ainda com Quintana: “No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo, o carinho no momento preciso, o folhear de um livro, o cheiro que um dia teve o próprio vento...”.

JOSÉ ANTONIO MARTINUZZO é doutor em Comunicação, pós-doutor em Mídia e Cotidiano, professor na Ufes, membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória.

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