O dia em que a cidadania descambou para o vandalismo
Artigo publicado na coluna Tribuna Livre, do Jornal A Tribuna
O exercício das liberdades é um tema sagrado. Pessoalmente, sou crítico ferrenho à mania de encontrar muito facilmente limites para as liberdades de expressão, de reunião e de manifestação. Uma “liberdade” é muito mais que um “mero direito”.
A falácia de confundir liberdade e direito tem a finalidade de facilitar as restrições e os abusos. Todavia, mesmo sendo um libertário que estende ao máximo o limite do conceito das liberdades, sempre deixei claro que atos criminosos não estão amparados nesse conceito.
Os atos terríveis e criminosos ocorridos no último domingo, 8 de janeiro de 2023, em Brasília, são um laboratório sociológico para os limites da liberdade de reunião e manifestação no Brasil.
Para quem faz um mínimo de leitura política, estava escrito nas estrelas que a prorrogação ao infinito das manifestações populares iria, cedo ou tarde, descambar para os abusos ilícitos.
Muito recentemente, a situação já havia fugido de controle no episódio do Cacique Tsererê, também em Brasília, quando houve um confronto de populares contra a Polícia Federal.
Multidão reunida, somada a discurso inflamado e raivoso, propicia verdadeiras condições de temperatura e pressão para descambar para a desordem.
Faço uma citação não muito politicamente correta de um juiz da Suprema Corte Americana, Samuel Chase, que denunciava a possibilidade de desvirtuação de um governo de massas para uma “mobocracia”. Mobocracia, ou Oclocracia, é quando as massas, organizadas ou mesmo disformes, tomam o exercício de poder pela força. A massa agindo com turba, como “mob”, como “máfia”.
Mesmo uma manifestação inicialmente legítima, quando contaminada pelo extremismo – que pode vir de uma fagulha, seja ela espontânea ou maliciosamente implantada, pode converter-se já não mais numa liberdade. Converte-se em coisa outra: na ilegalidade, no ilícito, na violência, no crime.
Ainda numa leitura fria, é bom lembrar que a direita nacional sempre tivera o argumento moral de fazer reuniões pacíficas. Ao contrário do que alegavam ver em invasões de propriedades pela esquerda ou quando os “black blocks” entraram em cena nas passeatas de 2013.
Agora, a direita perde o argumento moral. E perde numa hora terrível, pois está próxima à época de eleições para as Mesas Diretoras do Congresso.
O Brasil parece estar seguindo o script dos Estados Unidos. O flerte com o extremismo: elegem um inimigo imaginário, os próprios correligionários mais moderados são tratados como traidores, questionam ad infinitum o resultado de eleições. A direita brasileira precisa aprender. Até nos Estados Unidos a fórmula já virou um fracasso.
Esperamos que as forças de segurança ajam corretamente e identifiquem quais foram os culpados pela degeneração de um ato inicialmente pacífico nesse desfecho criminoso que envergonha a Nação perante o mundo. Que os conservadores e liberais brasileiros voltem às manifestações ordeiras e não se deixem infiltrar por elementos motivados pelo ilícito.