Embriões congelados e o direito à herança
Coluna foi publicada nesta quarta-feira (23)
Conforme dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Brasil tem mais de 120 mil embriões congelados: uma quantidade equivalente à população de Colatina aguardando destinação. O crescimento desse número levanta uma discussão jurídica: eles podem ser implantados após a morte do doador do material genético?
Países como França e Alemanha proíbem a inseminação ou transferência de embriões para a gestação depois da morte de um dos integrantes do casal. Já na Inglaterra, a lei não reconhece os direitos sucessórios patrimoniais da criança nascida de fertilização após a morte.
Em Portugal, a legislação permite a reprodução assistida post mortem quando houver expressa autorização do falecido, e na Espanha, a fertilização post mortem é permitida pelo prazo máximo de 12 meses após o falecimento do companheiro.
No Brasil, em virtude da ausência de uma legislação específica, a reprodução assistida vem sendo regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Neste contexto, os embriões criopreservados são usados para a reprodução assistida post mortem, criando ambiente propício para a violação de direitos fundamentais e a instauração de conflitos judiciais que chegam com cada vez mais frequência aos Tribunais Pátrios.
Em julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou procedente a ação proposta pelos filhos do primeiro casamento para proibir a utilização do material genético do genitor falecido em virtude da ausência de autorização válida.
Após o julgamento, o CNJ editou provimento prevendo expressamente a possibilidade da reprodução assistida post mortem, com a necessidade de autorização prévia específica do falecido, realizada por instrumento público ou particular com firma reconhecida.
A proposta de reforma do Código Civil que tramita no Congresso Nacional regulamenta a reprodução assistida prevendo, entre outros assuntos, a forma de autorização para utilização do material genético após o falecimento. O assunto é relevante porque o ordenamento jurídico deve assegurar ao embrião proteção jurídica diferenciada, por tratar-se de uma vida em potencial.
Outra questão se refere ao prazo em que o embrião poderá ficar congelado. Na ausência de lei específica, os Tribunais Pátrios vêm utilizando a Lei de Biossegurança, segundo a qual, após três anos de congelamento, os genitores podem destinar os embriões para pesquisas em células-tronco.
Considerando que a reprodução assistida post mortem lida com a própria vida, é necessária a definição dos requisitos, da forma e do prazo da utilização dos embriões criopreservados. Somente com a definição dos parâmetros legais serão preservados os direitos constitucionais à herança não apenas do embrião, mas também dos herdeiros já existentes ao tempo da abertura da sucessão, que estão em uma zona de insegurança.