A saúde em uma sociedade de mulheres sobrecarregadas
Coluna foi publicada nesta terça-feira (22)
Nos últimos tempos, muitos discursos naturalizaram a ideia de que “todos temos as mesmas 24 horas”. É possível debater longamente sobre a validade ou não dessa ideia. Porém, do ponto de vista da saúde pública, precisamos qualificar os debates e encarar algumas questões com argumentos sólidos, sobretudo durante o Outubro Rosa.
Segundo pesquisa da Câmara Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o ônibus é o principal meio de transporte dos trabalhadores brasileiros, que, anualmente, perdem o equivalente a 21 dias em deslocamento para ir e voltar do trabalho.
Para 29% dos brasileiros, utilizar o transporte público não é uma escolha: é a única alternativa viável para o deslocamento diário. Ainda de acordo com a pesquisa, os usuários esperam, em média, 23 minutos pelo embarque.
Tendo esses dados em vista, como a gestão do tempo pode ser a mesma para pessoas que vivem em condições que provocam tais dificuldades na disponibilidade de horas para se dedicar a outras tarefas que não as ligadas à própria subsistência?
Apesar de não parecer, essa pergunta tem tudo a ver com a saúde das mulheres. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), além das obrigações que envolvem o trabalho e o emprego, as mulheres gastam, em média, 21,4 horas por semana com atividades domésticas e de cuidado com o lar, enquanto os homens gastam 11 horas.
Todas essas estatísticas indicam que o Brasil precisa de uma reflexão intensa sobre as condições que têm oferecido às mulheres no espaço social. O excesso de tarefas atribuído a elas resulta em uma alta ocupação do tempo que se traduz não apenas em cansaço, mas que impede ou atrapalha o acesso às políticas de saúde pública.
Fazendo um recorte socioeconômico da situação chegamos às conhecidas e desafiadoras condições do Sistema Único de Saúde (SUS) e de suas complexidades regionais, que quase sempre se apresentam como longos prazos para marcação de consultas e exames, nos quais se inclui a mamografia.
Como sociedade, precisamos debater com coragem se é possível aceitarmos uma realidade em que mulheres que têm melhores condições financeiras obtêm acesso a cuidados médicos preventivos e terapêuticos, enquanto outras, excessivamente ocupadas com tarefas relacionadas à própria subsistência e de suas famílias, não encontram tempo sequer para cuidar de sua saúde e que, quando encontram, esbarram nas dificuldades operacionais do SUS.
Neste Outubro Rosa, mês em que se dá ênfase aos cuidados envolvidos no combate do câncer de mama, que possamos começar a discutir a saúde das mulheres brasileiras não apenas do ponto de vista puramente médico, mas também pelo prisma social, para que o debate público esteja com os pés fincados na realidade e para que a dignidade da população feminina brasileira possa ser, de fato, uma conquista que abraça a todas as cidadãs brasileiras.