Histórias de amor que começaram nas delegacias
Policiais e vítimas contam suas histórias de romance que tiveram início de forma inusitada, durante registro de ocorrência
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“Amor não escolhe hora, nem local: simplesmente acontece”. Quando se trata de amor, a vida imita as novelas e os romances.
Encontros inesperados acontecem na ida à padaria, nos hospitais e em outros locais mais inusitados. Policiais e vítimas contam suas histórias de amor que começaram na delegacia.
É o caso, por exemplo, da delegada titular do Distrito Policial de Itacibá, Tânia Maria Zanoli Teixeira, 58, e do microempreendedor e caminhoneiro Jorge Luiz Teixeira Zanoli, 54.
Vítima de ameaças, em 2014, o caminhoneiro foi à delegacia registrar uma ocorrência e recebeu atendimento da delegada. Na ocasião, ele desistiu do registro.
Ao retornar semanas depois, contudo, Tânia percebeu a fragilidade da vítima e, surpreendentemente, ofereceu uma oração. Meses depois, Jorge ligou para a delegada e a convidou para um encontro. Começava, naquele momento, uma nova história para os dois.
“Nós já havíamos sentido a conexão desde o primeiro momento, mas não era dito ou demonstrado. Naquele ano, começamos a namorar e, desde 27 de julho deste ano, nos casamos. Fizemos a cerimônia religiosa no último dia 26 de novembro. Nunca fomos tão felizes em nossas vidas”, conta a delegada.
Disponibilidade
A psicóloga clínica Monique Nogueira reforça que o amor pode acontecer em todos os lugares e, para isso, é necessário estar disponível. Construir uma boa autoestima é um dos primeiros passos para encontrar uma relação saudável.
“Com o exercício do autoamor e o fortalecimento da autoestima, é possível se sentir mais seguro, se mostrar mais, se valorizar. Há exercícios diários para isso, como o cuidado emocional, intelectual e físico. Assim, cria-se a disponibilidade para se relacionar tanto na rotina quanto em uma viagem, por exemplo”.
O inusitado pode criar fortes laços, basta encarar a possibilidade de conhecer alguém. Quem não gosta de histórias de amor que fogem do convencional? A psicóloga Vanessa Cristina aponta que as experiências de vida constroem o encanto sobre essas histórias.
“Damos valor às histórias inusitadas de amor porque gostamos do novo, do diferente, do que não é comum ao padrão social. Isso é ótimo. Essas relações dão mais chances para possíveis lindas histórias de amor, sem tabus”.
Tânia Maria Zanoli Teixeira, delegada
“É preciso respeito e maturidade”
A história inusitada de amor entre a delegada titular do Distrito Policial de Itacibá, Tânia Maria Zanoli Teixeira, de 58 anos, e o microempreendedor e caminhoneiro Jorge Luiz Teixeira Zanoli, de 54, é uma das provas de que basta se abrir ao amor e ele virá a você.
O casal vive a melhor fase da vida e, para a surpresa de muitos, compartilhavam uma crença: não acreditavam mais no amor.
A Tribuna O que você sentiu ao vê-lo pela primeira vez?
Delegada tânia Quando o vi pela primeira vez na delegacia, senti algo diferente. Mantive o comportamento profissional e o atendi bem, como faço com todos. Eu o vi fragilizado e sabia que tinha algo diferente naquele homem. Com o tempo, após nos conhecermos, percebi que ele foi enviado por Deus para mim.
O que fez dar certo?
Eu, na verdade, nunca havia acreditado no amor verdadeiro até conhecer o Jorge. Hoje, sou sincera: não sei o que é viver sem esse sentimento. Ele me completa e me faz ser uma pessoa melhor todos os dias da minha vida. Descobrimos o amor juntos.
Por isso, a música “Como um anjo” (da dupla César Menotti e Fabiano) marcou a nossa história. Eu não buscava alguém, na época. Foi de Deus e tinha que acontecer daquela forma.
Com o tempo, percebemos que gostamos das mesmas coisas. Fui criada na roça, rolando na chuva e nos morros. Lembro de um dia em que eu e ele fomos à praia e começou a chover. Juntos, brincamos como duas crianças na chuva.
Durante as viagens de caminhão, eu almoçava e jantava com ele ali, sem ligar para rótulos. No começo, fui muito criticada. Diziam sobre a minha posição social e eu respondia que o importante para mim é o caráter.
Só o amor é suficiente?
Não posso dizer que tudo foi um mar de rosas. Temos filhos de outros relacionamentos e conversamos como pessoas maduras para aceitarmos os filhos um do outro. As coisas começaram a fluir. Adquirimos maturidade e vivência com tudo o que passamos em outros relacionamentos. Não queríamos cometer os mesmos erros do passado.
É preciso respeito, confiança e maturidade. Essa combinação intensificou nossa paixão, nossa cumplicidade como casal. Digo que ele é a luz de sol que ilumina minha vida.
Sua rotina é intensa. O amor tornou a vida mais leve?
O amor torna minha rotina mais leve. No passado, em um relacionamento conturbado, eu não tinha vontade de voltar para casa. Hoje, valorizo mais a minha vida pessoal. A rotina de trabalho fica melhor, me tornei ainda mais amável com os colegas e com o público.
Saber que tenho um ombro amigo e que, mesmo com todos os problemas de trabalho, chegarei em casa e terei um amor é inexplicável.
Como a união foi vista no trabalho?
Os meus amigos viram o que eu vivi em relacionamentos anteriores. Quando ele conheceu os delegados, os juízes e os policiais, foi um momento incrível para mim. As pessoas passaram a ter alegria de saber como eu vivo uma alegria tão plena, após sofrer em relacionamentos.
Convidei meus colegas de trabalho para o casamento. O amor tem a força de curar e confortar a alma.
Amor à primeira vista durante ocorrência policial
Era para ser mais um dia de trabalho comum na vida do policial militar Thiago Garrocho, 35 anos, e da policial civil Reniely Maximiano, 36, mas quis o destino que uma ocorrência unisse o casal.
Ela no plantão da 5ª Regional de Guarapari recebendo as ocorrências daquela noite, e ele na viatura, que foi entregar um detido na delegacia.
Reniely revela que o respeito que ele teve com ela chamou atenção de uma maneira diferente, e quando ele entregou a ocorrência, ela foi logo dizendo que o documento estava incompleto.
“Ela disse que faltava informações, mas eu mesmo não vi nada até hoje. Mas fui atualizar”, disse ele. E a policial completou: “Claro que estava incompleta, e ele saiu todo bravo para consertar”, lembra entre risos.
A ocorrência foi refeita em meados de abril de 2016, e depois disso, Garrocho passou a visitar a delegacia até quando não tinha ocorrência para entregar.
Mas foi Reniely quem tomou a iniciativa de mandar mensagens primeiro para comentar que os dois eram mineiros. Ela é de Leopoldina e ele de Teófilo Otoni.
“Eu ainda usava o telefone com prefixo de Minas Gerais, e esse foi o segundo gatilho que ela usou. Me mandou mensagens do nada e falou que era de Minas também. Marcamos de sair e começamos a namorar”, contou o policial.
O namoro ainda era recente e o PM disse que a casa de aluguel que morava estava com umas goteiras e precisava de um teto para dormir. A PC não acreditou muito na história da goteira, mas deu abrigo uma vez, outra vez, e em menos de seis meses já estavam morando juntos no apartamento dela.
Eles se casaram e Thiago colocou o sobrenome da esposa em seu nome. Em 2018, tiveram o primeiro filho, o Theo.
O traje escolhido para o ensaio de gestante não poderia ser outro: a farda da Polícia Militar e o uniforme da Polícia Civil.
“Nós honramos a profissão que exercemos, e com certeza a delegacia tem um significado especial para nós. Atualmente estou na Delegacia de Homicídios, e algumas ocorrências nós dividimos na rua. Nos tornamos o casal policial. Nunca imaginamos nos conhecer em Guarapari, no nosso local de trabalho, sendo os dois mineiros, e realmente quis o destino nos unir”, finaliza ela.
União de policiais por rede social acaba em casamento
Quase 210 km de distância, entre Colatina e Pedro Canário, se tornaram insignificantes com um clique: “seguir”. A sugestão de amizade nas redes sociais foi tão certeira que, em menos de um ano, a agente Camila Magalhães, de 36 anos, e o escrivão Fred Magalhães, de 35, ambos policiais civis, subiram ao altar.
Quando a conexão acontece, os valores são semelhantes e os objetivos compartilhados, o que mais falta? Em maio de 2021, eles se seguiram. Em junho, se conheceram e, no mesmo mês, iniciaram o namoro. Em dezembro, conseguiram transferência para uma Delegacia de Polícia de Venda Nova do Imigrante e, em janeiro, se casaram.
A família se completou com a adoção do cachorrinho Braddock, em fevereiro. Apesar da rotina intensa de trabalho, Fred e Camila optam pela compreensão e parceria. Com a nova fase da vida, surgiu o projeto “Missão Casal”, em que eles compartilham a rotina nas redes sociais, conta Fred.
“Nossa rotina é diferente. Há situações que nos obrigam a virar a noite ou a acordar muito cedo. O fato de sermos policiais facilitou o caminho para a relação. A forma de lidarmos com imprevistos faz parte da nossa ‘missão’ e, por isso, decidimos compartilhar nossa rotina e inspirar outros casais. Escolhemos sempre o amor”.
Camila conta que a produção de conteúdo digital tem o intuito de mostrar que o amor é uma escolha e, com desejos em comum, qualquer casal pode fazer dar certo.
“Em primeiro momento, foi paixão. O amor é uma escolha e uma decisão diária, como mostramos em nossa rotina. Nós compartilhamos os mesmos valores e desejos, a maturidade e o sonho de formar uma família. As redes sociais são ótimas ferramentas, quando bem utilizadas. Elas abrem caminho para conhecer o outro e construir histórias”.
Viagens, cafés da tarde, compras em supermercado e até “operação cozinha limpa” são alguns dos temas de vídeos e fotos compartilhados pelo casal.
“A visão de que a convivência enjoa é errada. Ficamos juntos o tempo todo e temos uma rotina bem-humorada. Mostramos isso aos seguidores”, conta Fred.
Romance com limites
Amor e trabalho não precisam estar em esferas diferentes. Se antes havia um tabu sobre isso, a flexibilidade das empresas já muda a situação.
Segundo a psicóloga clínica Monique Nogueira, o tabu sobre o relacionamento no ambiente de trabalho está relacionado ao sistema das empresas. Nos últimos anos, contudo, há uma flexibilização de regras e esse tipo de relação é mais aceita nas empresas, aponta.
“Hoje, com a tecnologia e após a pandemia, está havendo uma reestruturação da dinâmica quanto ao empregador e ao empregado. Há uma flexibilização de regras, como um funcionário não poder ter relacionamento com outro. Com isso, há uma abertura para esse movimento”.
A especialista alerta, no entanto, que é preciso tomar alguns cuidados. O casal precisa estabelecer limites para separar o relacionamento amoroso do relacionamento como colegas de trabalho.
“Deixar esses limites esclarecidos, com diálogo, é importante. O casal precisa ter uma boa consciência sobre isso, com muita inteligência emocional. Antes, era comum as empresas não contratarem casais. Hoje, até vemos união de empreendedores, o que dá mais flexibilidade, liberdade e outros benefícios”.
O psicólogo e psicoterapeuta Gerson Abarca explica que muitas empresas preferem não ter casais no quadro de trabalho. Porém, diante de um relacionamento maduro, é possível separar as instâncias entre o romance e o trabalho.
“Quando acontece uma escolha de vida conjugal com pessoas no mesmo ambiente de trabalho, é importante ter a capacidade de não misturar o trabalho com o romance. Limites entre vida pessoal e profissional são importantes”.
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