"Estamos vivendo uma catástrofe no clima", afirma cientista

| 16/11/2020, 15:56 15:56 h | Atualizado em 16/11/2020, 16:17

srcset="https://cdn2.tribunaonline.com.br/prod/2020-11/372x236/carlos-nobre-391ffa99354c09c2f59650c3c5353aef/ScaleUpProportional-1.webp?fallback=%2Fprod%2F2020-11%2Fcarlos-nobre-391ffa99354c09c2f59650c3c5353aef.jpeg%3Fxid%3D150646&xid=150646 600w, Carlos Nobre, que é coordenador científico do Instituto de Estudos Climáticos da Ufes, afirma que o Espírito Santo vai sofrer com graves consequências por causa do aquecimento global: “Os cenários de altas emissões mostram que até 2100, cerca de 60% do Estado vai virar 
uma região semiárida”
As ações humanas são as principais responsáveis pelas mudanças na temperatura do planeta. Episódios extremos de seca e chuvas apontam a urgência em adotar ações para lidar com as consequências inevitáveis e evitar danos ainda maiores no futuro, que põem em risco a existência das espécies, inclusive a humana.

O cientista e coordenador científico do Instituto de Estudos Climáticos da Ufes, Carlos Nobre, alerta que a humanidade está vivendo uma catástrofe no clima e segue caminhando para um suicídio coletivo em escala global.

“Estamos vivendo uma catástrofe climática. Não conseguimos retirar o gás da atmosfera. É um processo lento que demora décadas. Todos os gases que jogamos na atmosfera irão permanecer por cerca de 150 anos, 15% permanecerá por mil anos”, afirma.

Nobre enfatiza a urgência de zerar as emissões líquidas de gases do efeito estufa na atmosfera. Caso contrário, o planeta será praticamente inabitável no século XXII.

A Tribuna – Quais as evidências que sentimos no dia a dia de que o clima está mudando?
Carlos Nobre – Os últimos 20 anos foram os mais quentes dos últimos 160 anos globalmente falando, e isso repercute também no Brasil.

Entre 2015 e 2020, a maioria dos recordes de temperatura foi quebrado. Esse aquecimento acaba provocando outros extremos, como a seca e tempestades muito severas e intensas como a de dezembro em 2013 no Espírito Santo e de novo agora em janeiro de 2020.

O aquecimento global que, por um lado, provoca secas extremas e, por outro, faz com que as chuvas se tornem bem mais intensas.

A Tribuna – Isso está associado a atitudes do homem, e não a um processo natural?
Carlos Nobre – O relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas já coloca a responsabilidade pela maior parte das mudanças climática nas ações humanas. Nossas ações estão aumentando a emissão dos gases de efeito estufa, especialmente o carbono, que tem propriedade física que absorve o calor.

Esses gases são muito importantes. Sem eles, a superfície da terra seria de 30ºC a 33ºC mais fria e toda a água estaria congelada. Eles garantem a existência da água líquida, que é essencial para a vida.

Só que apenas uma parte dos gases (56%) que emitimos é absorvida pelas florestas e pelos oceanos. Os outros 44% ficam na atmosfera e existe uma certeza científica que esse é um gás emitido pela ação humana.

Em um século, já aquecemos o planeta em média 1,1º C. Nos continentes, 1,4ºC. Em muitos lugares do Brasil, o aumento na temperatura já superou 2ºC.

A Tribuna – O problema então é o excesso?
Carlos Nobre – 
O problema é a ação antropogênica (das atividades humanas), como a queima de combustíveis fósseis, a agricultura e o desmatamento, que levam a produção de todos esses gases que a atmosfera não consegue se livrar.

No Brasil, 25% das emissões vem da agricultura, 50% do desmatamento, 20% da geração de energia e 5% das indústrias (exceto energia) e da decomposição de resíduos.

srcset="https://cdn2.tribunaonline.com.br/prod/2020-11/372x236/rio-doce-f944f19da06448b083dd95a24540b517/ScaleUpProportional-1.webp?fallback=%2Fprod%2F2020-11%2Frio-doce-f944f19da06448b083dd95a24540b517.jpeg%3Fxid%3D150647&xid=150647 600w, Seca no Rio Doce, em Colatina:  aquecimento global  provoca este tipo de desastre ambiental  e também, por outro lado, faz com que as chuvas se tornem bem mais intensas
A Tribuna – É possível reverter os danos ou agora devemos lidar com as consequências?
Carlos Nobre – São duas ações principais. Uma é lidar com o que já está ocorrendo e com o que ocorrerá nas próximas décadas, que é inevitável.

O tempo que esses gases permanecem na atmosfera é muito longo. Além disso, o máximo aquecimento em função do nível dos gases que existem na atmosfera hoje só será sentido daqui a 30 anos. Então os eventos extremos ficarão ainda mais extremos. Temos que lidar com isso e buscar a adaptação.

A segunda ação e a mais importante é zerar as emissões líquidas dos gases de efeito estufa (os excedentes que não são absorvidos naturalmente). Se não zerarmos, o planeta ficará praticamente inabitável no século XXII.

Por isso existe o Acordo de Paris, que 195 países assinaram, com a meta de não deixar a temperatura do planeta aumentar mais de 2ºC. Para isso, temos de zerar as emissões até 2070. Para não passar de 1,5ºC, que é o mais seguro, temos de zerar até 2050. Esse é o maior desafio que a civilização já enfrentou.

Em 2015, os países lançaram suas metas e o Brasil foi um dos mais ambiciosos. Mesmo com essas metas, a temperatura aumentaria 3,2ºC até o final do século. Mas de 2015 a 2019, as emissões aumentaram no País e no mundo.

Na virada do século, se não tivermos controle das emissões, a elevação nas temperaturas no Espírito Santo irão superar os 5ºC. Muitas partes do Estado terão várias horas por dia que as pessoas não poderão sair na rua pois a combinação de temperatura e umidade passará do limite do corpo humano.

A Tribuna – Como o aumento da temperatura afeta a fauna e a flora?
Carlos Nobre – É terrível para o ecossistema. Para um aquecimento de 4ºC, existem estudos que mostram extinção de mais de 40% de todos os animais e plantas do nosso planeta. Estamos empurrando o planeta para um suicídio global.

A Tribuna – Qual impacto de uma extinção em larga escala?
Carlos Nobre – 
O Brasil, que é potência agrícola, praticamente perde sua capacidade de gerar uma agricultura poderosa. O País deixa de ser produtor e passa a ser importador.

Os cenários de altas emissões mostram que até 2100, cerca de 60% do Estado vira uma região semiárida. A mata atlântica desaparece de toda a costa, e o sul vira uma savana degradada. Assim a capacidade de produção agrícola despenca e a pecuária se torna pouquíssimo produtiva.

O aquecimento aumenta o nível do mar. Sem sucesso no acordo de Paris, o nível do mar pode subir de 1m a 1,5m até o final do século, o que muda a linha da costa e afeta centenas de milhões de pessoas no mundo. No Brasil, milhões de pessoas não terão como viver onde vivem hoje. Com sucesso, o nível sobe de 40 a 70 cm.

Além do aumento do nível do mar, as tempestades acima do oceano estão ficando mais fortes e, consequentemente, também as ressacas e as inundações.

A Tribuna – É viável zerar as emissões líquidas mantendo as atividades essenciais?
Carlos Nobre – 
Sim. É possível abastecer o mundo com várias fontes de energia renovável, como a solar e a eólica. É possível ter uma agricultura muito produtiva, que assegura a segurança alimentar do mundo e emite muito menos gases.

A Tribuna – Para ter ações efetivas, deve ser em nível de nação ou individualmente também é possível promover mudanças?
Uma coisa não excluía a outra. Deve haver políticas públicas, engajamento da iniciativa privada e transformações culturais e comportamentais. Mas a ação individual também é muito importante.

Cada cidadão deve fazer a rastreabilidade dos produtos que consome. Veio de área desmatada? Não compro! Basta praticar o consumo sustentável que diminuiríamos o desmatamento e a grilagem de terra. Além disso, o consumidor tem um papel importante de se organizar e pressionar a classe política.


PERFIL


Carlos Nobre

> Graduado em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Doutor em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos.

> É membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Mundial de Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos EUA.

> Um dos autores do Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que, em 2007, venceu o Prêmio Nobel da Paz.

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