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Saúde

Além da Covid-19, peste bubônica e pandemias de gripe têm raízes na China


Por mais terrível que pareça a pandemia de Covid-19, causada pelo novo coronavírus, é praticamente impossível que ela se equipare à peste negra, que matou entre um terço e metade da população europeia no século 14. Entre as poucas semelhanças entre as duas doenças, além do fato de ambas serem consideradas pandemias, é o fato de terem se originado na China.

O país asiático historicamente apresenta uma certa propensão a ser berço de moléstias com potencial de assustar o mundo, como aconteceu também recentemente, entre 2002 e 2004, com o surto de Sars (síndrome respiratória aguda grave) e de epidemias causadas pelo vírus influenza, em suas diferentes apresentações.

A pandemia mais antiga com um bom número de registros é a que ficou conhecida como praga de Justiniano, de peste bubônica, que aconteceu entre 542 e 546 d.C., durante o reinado do imperador bizantino Justiniano 1º. Estima-se que cerca metade dos súditos de Justiniano -30 milhões, número com boa dose de imprecisão- tenha morrido em Constantinopla e em outras áreas sob seu domínio, como as regiões onde hoje ficam a Itália, o Egito e Palestina.

Mas como a China entra nessa história? A peste é causada pela bactéria Yersinia pestis, que infecta em ratos; pulgas transmitem a doença de ratos para para humanos que, em algumas circunstâncias, também transmitem a doença entre si.

Uma análise genética publicada em um artigo de 2010 da revista Nature Genetics concluiu que as linhagens de Y. pestis responsáveis pelas três grandes ondas -a de Justiniano, a peste negra e a terceira onda, que atingiu especialmente a Ásia na virada para o século 20– têm raízes na China.

Para chegar à conclusão, cientistas analisaram os chamados SNPs (pronuncia-se "snips"), as alterações de uma única base (ou "letra química") do DNA, material genético do micróbio. O conjunto de SNPs permite traçar a trajetória da bactéria.

Cidades apinhadas de gente não foram, ao menos daquela vez, a razão do problema. Os hospedeiros naturais da bactéria são roedores como marmotas e ratos-das-neves, encontradas em grande número no país asiático. A peste pegou carona em rotas comerciais, como a da seda, que já existia ao menos desde o século 3 a.C.

A China sempre foi um país que promoveu movimentação rumo ao exterior, o que, em alguma medida, facilita a exportação de doenças, explica o professor André Mota, historiador e estudioso de epidemias e sistema público de saúde da Faculdade de Medicina da USP.

Outro país populoso, a Índia também apresenta doenças epidêmicas e endêmicas, mas elas costumam ficar restritas ao território, diz Mota.

Na verdade a bactéria parece ter feito vítimas ainda num passado remoto. Um estudo de 2015 da revista científica Cell relata a presença do patógeno em uma amostra em pessoas que morreram há quase 6.000 anos, indicando que a convivência com a Y. pestis é antiga e persistente.

Atualmente ainda há casos de peste bubônica, inclusive no Brasil. Foram relatados na China, em novembro, dois casos da peste em sua forma pneumônica, que favorece a transmissão da bactéria entre indivíduos por via aérea. A notícia, que precedeu o surto de Covid-19, deixou parte das pessoas já de orelha em pé.

Outras pandemias, como as de gripe (causada por subtipos do vírus influenza), também nasceram ou têm alguma chance de terem surgido na China. A maior delas foi a gripe espanhola (H1N1), que, estima-se, matou 50 milhões de pessoas em todo o mundo entre 1918 e 1920.

O país ibérico só batizou a moléstia por ter noticiado a doença com mais intensidade e riqueza de detalhes do que os demais -a imprensa ali era mais livre, por causa da neutralidade do país na Primeira Guerra Mundial.

A hipótese da origem chinesa da gripe espanhola tem encontrado boa aceitação na academia, embora não haja consenso a respeito.

Houve também outras três pandemias, menores, com cerca de 1 milhão de mortes cada uma, que seguramente se originaram na China: a gripe russa (H2N2), entre 1889 e 1890, a gripe asiática (H2N2), entre 1956 e 1967 e a gripe de Hong Kong (H3N2), entre 1968 e 1970.

Os "agás" e "enes" se referem a proteínas da superfície do vírus, que permitem ou facilitam que eles infectem um determinado rol de espécies, entre aves e mamíferos. Aves são os reservatórios naturais do patógeno.

A convivência próxima, principalmente no século passado, entre animais e pessoas é um dos motivos apontados para o surgimento dos surtos em humanos, os chamados saltos (ou transbordamentos) entre espécies. Outro motivo é a alta densidade populacional do país e a pobreza, que favorece a transmissão.

Apesar de o país ter um grande território, a maior parte dos chineses habita apenas uma fração dele, já que boa parte é montanhosa ou desértica, explica Eliseu Waldman, médico epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Para terminar de enumerar as grandes pandemias de gripe só faltou a de 2009 (H1N1), também conhecida como gripe suína. Ela, porém, teve origem no México e matou entre 160 mil e 575 mil pessoas, de acordo com estimativas americanas.

Outra grande pandemia não chinesa foi a de varíola, que teve um efeito devastador em populações nativas do continente americano, com um total de mortos que pode superar os 50 milhões. A mortandade se deu a partir do começo do século 16, em meio à conquista do Novo Mundo por europeus, que carregaram consigo o patógeno.

Nasceu na China, porém, um parente do Sars-Cov-2, o Sars-Cov-1, causador da Sars (síndrome respiratória aguda grave), que assustou o mundo em 2003. Foram poucos contaminados, 8.908 casos documentados, mas a letalidade foi de 9,6%, bem mais alta do que os valores calculados para a nova pandemia, que variam entre 1% e 3,6%.

Esses eventos recentes, explica Waldman, permitiram que o mundo se conscientizasse para a criação de uma legislação específica, o Regulamento Sanitário Internacional, que desde 2005 dá suporte jurídico para ações e obriga os países a treinarem pessoal na área de vigilância e alimentarem um sistema de informações, o que diminui o tempo de resposta em uma emergência.

Ainda assim a chance de um novo coronavírus emergir não era inesperada. "Os coronavírus sabidamente passam por recombinação gênica, o que pode levar a novos genótipos e surtos", escreveram cientistas da Universidade de Hong Kong em um estudo publicado em 2007 na revista Clinical Microbiology Reviews.

"A presença de um grande reservatório de vírus do tipo Sars-CoV em morcegos-de-ferradura [do Rhinolophus], juntamente com a cultura de comer mamíferos exóticos no sul da China, é uma bomba-relógio."

"A possibilidade de reemergência do Sars e outros vírus novos de animais ou laboratórios e, portanto, a necessidade de preparação não devem ser ignoradas", concluíam os pesquisadores. Até hoje não se sabe exatamente como se deu o salto do Sars-Cov-2 para a espécie humana.

Apesar desse histórico, André Mota afirma que não é adequado usar a alcunha de "vírus chinês" para se referir ao Sars-CoV-2. "Precisamos rapidamente tirar isso de cena, é incorreto. Construir bodes expiatórios na pandemia é o pior caminho e não ajuda a encontrar uma saída conjunta. O novo coronavírus só saiu da China e chegou à Europa porque havia interesses econômicos entre os dois. Agora já é algo que envolve a todos nós, é global. Depois podem começar a culpar pobres, negros e refugiados, fabricando culpados para tudo que é de origem complexa."

"Um dos pontos que sumarizam a questão é a forma como as populações humanas se relacionam com animais silvestres e domésticos, e também como interagem com o ambiente. Para mitigar isso, tem que se adotar uma política de saúde integral, ou seja, em que as ações voltadas à promoção de saúde não podem estar desvinculadas de medidas, em igual prioridade e recursos equivalentes, à saúde animal e ao cuidado com a natureza", afirma Waldman.

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