A guerra pelas vacinas
Com o avanço progressivo da pandemia da Covid-19 e as dificuldades dos países em controlar a contaminação, principalmente com o surgimento sistemático de novas variantes, a possibilidade de conceder licença compulsória (quebra de patente) às vacinas está na pauta mundial.
O número de vítimas cresce no mundo, no Brasil já ultrapassamos 486 mil mortes e vacinamos pouco mais de 14% da população com as duas doses.
Ainda assim, deixamos de apoiar a iniciativa da licença compulsória pleiteada pela Índia junto à OMC, depois de um ano do primeiro caso do vírus no país.
A falta de ações integradas para o controle do vírus criou um cenário de maior dificuldade frente à impossibilidade técnica de oferta de vacinas em maior escala (sem falar do alto custo das mesmas).
Tivemos medidas importantes como a adequação, pelo STF, do prazo de patentes; e a aprovação do Projeto de Lei 12 /2002, pelo Senado Federal, que cria novas regras para a licença compulsória das vacinas, e que aguarda sanção do Presidente da República.
Se sancionada, para efetivar a Lei ainda é necessário que o Presidente determine a licença compulsória em questão (quebra da patente), diante dos critérios estabelecidos em lei, principalmente em caso de emergência nacional ou interesse público.
Todas essas medidas não são suficientes para resolver o problema a curto e a médio prazo, mas essa alteração na Lei de Propriedade Industrial permite dar agilidade e transparência ao processo de licença compulsória, garantindo, entre outras coisas, que o licenciamento seja temporário e mediante remuneração aos titulares das patentes.
Daí porque, semanticamente, se fala em “licença” e não “quebra” de patente.
A licença compulsória está de acordo com Tratados Internacionais (TRIPs) e busca atender a função social da propriedade, como é o caso das patentes de vacinas. Ou seja, no Estado Democrático de Direito não existe direito absoluto, podendo o Estado intervir na esfera privada, limitando o princípio da autonomia da vontade. O detentor da patente tem que cumprir a finalidade social, em troca do direito de exclusividade de usar, fruir e dispor do seu invento.
Durante o período de evolução da pandemia o mundo estabeleceu uma verdadeira “guerra” pelas vacinas, confrontando marcas, laboratórios, inovação, transferência de tecnologias, direitos, países, ideologias, organismos internacionais como OMS e OMC, e agora até o Papa Francisco se manifestou.
Alguns destes agentes estão buscando um protagonismo econômico que enlaça também interesses políticos, seja pela ação ou omissão.
Outros agentes começam a entender melhor a gravidade e o alcance do problema, numa visão global, buscando um mundo mais igual e harmônico, onde economia e saúde, como também o rol de direitos humanos, estejam acessíveis a todos indiscriminadamente.
Paulo Roberto Ulhoa é mestre em Direito.