Estado soma mais de mil mortes no trânsito, mas só tem um motorista preso

Estado soma mais de mil mortos, mas apenas um motorista que foi condenado está na prisão. Lei prevê até 8 anos de detenção

Rafael Gomes, do jornal A Tribuna | 04/08/2022, 14:19 14:19 h | Atualizado em 04/08/2022, 14:20

srcset="https://cdn2.tribunaonline.com.br/img/inline/120000/372x236/inline_00121251_00/ScaleUpProportional-1.webp?fallback=%2Fimg%2Finline%2F120000%2Finline_00121251_00.jpg%3Fxid%3D370057&xid=370057 600w, A punição para quem provoca morte ou lesão corporal estando embriagado, na direção do veículo, varia de cinco a oito anos. A prisão, entretanto, acaba sendo exceção.
 

Enquanto a família da universitária Ramona Bergamini ainda sofre com a perda da jovem de 19 anos, o responsável pela morte dela continua em liberdade, mesmo tendo causado o acidente embriagado e em alta velocidade. 

A morte de Ramona aconteceu em março de 2020, na avenida Carlos Lindenberg, em Vila Velha. De lá para cá, outras 1.700 pessoas perderam a vida no trânsito capixaba. E a revolta dos familiares de Ramona se multiplica, já que somente uma pessoa está presa no Espírito Santo por causar morte no trânsito. 

Dados da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) obtidos pela reportagem mostram que, atualmente, só há um preso condenado por homicídio culposo cumprindo pena no sistema prisional capixaba.

A punição para quem provoca morte ou lesão corporal estando embriagado, na direção do veículo, varia de cinco a oito anos. A prisão, entretanto, acaba sendo exceção. 

“O próprio Código de Trânsito Brasileiro prevê que é homicídio culposo (sem intenção de matar). Em razão do baixo apenamento (máximo de oito anos), fica difícil manter uma prisão, pois ela acontece para o réu que oferece risco à sociedade. Nos crimes de trânsito, os regimes iniciais podem ser, no máximo, semiabertos. Por isso, rapidamente eles respondem em liberdade”, ressaltou o advogado criminalista Flávio Fabiano.

No ano passado, a lei de trânsito até avançou e passou a proibir que o condenado tenha a pena de prisão substituída por penas alternativas, como prestação de serviço. No entanto, como explica o advogado  João Luiz Guerra, isso só acontece no fim do processo, que pode durar anos.

“O sistema processual brasileiro prevê vários recursos. Se a pessoa for condenada por homicídio culposo na primeira instância, o processo pode durar de dois a três anos, e a pessoa pode recorrer em liberdade, levando mais três anos na segunda instância. No Brasil, a prisão é exceção”, destacou Guerra.

Um dos casos mais famosos no Estado de morte causada por motorista embriagado levou 13 anos para ter um desfecho. 

Foi o caso do empresário Wagner José Dondoni, que estava bêbedo quando causou o acidente que matou uma mãe e dois filhos na BR-101, em 2008. 

A demora na prisão do empresário  aumentou ainda mais a dor dos familiares das vítimas e revoltou a sociedade por conta da impunidade.  Dondoni só foi condenado pela Justiça em 2018, dez anos após o acidente, e preso somente no ano passado.

Pensão para família das vítimas

Um projeto de lei em tramitação no Senado prevê que familiares e vítimas de crimes provocados por condutores embriagados tenham direito a receber pensão alimentícia. A proposta é do senador capixaba Fabiano Contarato. 

O Projeto de Lei (PL) 1.433/2022 altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), ao acrescentar um dispositivo no artigo que trata da penalidade de multa reparatória. De acordo com o texto, o pagamento de pensão alimentícia mensal pode se estender à família. 

De acordo com o projeto, o juiz definirá o valor da pensão, sem dispensar outras obrigações de reparação referentes aos danos sofridos pela vítima e sua família. A proposta também presume que os filhos, dependentes econômicos da vítima, sejam menores de 21 anos, ou 24, caso sejam  universitários. 

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Em caso de morte, fica estipulado pagamento de pensão até a idade provável de sobrevida da vítima e de acordo com os parâmetros arbitrados pelo juiz. 

O projeto detalha que a obrigação de pagamento de pensão não se extingue com a morte do causador do dano e será transmitida aos herdeiros, até o limite da herança.

Ao justificar o projeto, Contarato destacou o número de mortes em acidentes de trânsito, que em 2020 foi de 33.716.   “Em Vitória, uma motorista foi autuada por embriaguez, chegou a ser levada para o presídio, mas foi liberada  após pagar fiança de R$ 3 mil”.

O projeto ainda passará pelas comissões do Senado antes da votação.

Missa vai lembrar mortos

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Será realizada no próximo domingo a tradicional “Missa em Memória das Vítimas de Trânsito”, no Campinho do Convento da Penha, em Vila Velha. O evento está completando 16 anos.

“Nos unimos, de forma solidária, à dor das famílias que perderam seus entes queridos, vítimas da fatalidade, mas também da imprudência e do descaso com o trânsito de nossas cidades e rodovias. A dor de quem perdeu alguém fica para sempre em nossa memória e em nossos corações. Infelizmente, são vidas abreviadas, histórias interrompidas e  sonhos sepultados abruptamente”, afirmou o frei Djalmo Fuck, guardião e reitor do Convento da Penha.

De acordo com o frei, a missa quer fazer memória e recordar aqueles que partiram, mas também expressar o compromisso da igreja e dos fiéis com a vida e a paz no trânsito. 

“Nos esforcemos para construir, cada dia mais, um trânsito mais humano, mais gentil, seguro e cidadão. Devemos ser, especialmente no trânsito, os semeadores de paz e de bem”, destacou o frei Djalmo. 

A missa terá início às 9h e também será transmitida nas redes sociais do Convento da Penha. A celebração marca o Dia Estadual em Memória das Vítimas de Acidentes de Trânsito, estabelecido por lei estadual de 2011.

SAIBA MAIS

O que diz a lei

O artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê pena de prisão de cinco a oito anos para quem comete homicídio culposo na direção de veículo.

Pelo CTB, o homicídio é considerado culposo, ou seja, quando há culpa, mas não há intenção de matar.

Já o artigo 303 do CTB prevê pena de prisão de seis meses a dois anos para quem causar lesão corporal na direção do veículo. A pena aumenta e passa a variar de dois a cinco anos se o motorista estiver embriagado.

Sem substituição de pena

Em 2021, uma alteração no CTB, aplicada com um projeto de lei do senador Fabiano Contarato, passou a proibir a substituição de pena para quem é condenado nos artigos 302 e 303.

Ou seja, quem comete lesão  ou homicídio ao dirigir embriagado terá de ser preso, não podendo ter pena alternativa, como prestação de serviço.

A pena de prisão, no entanto, só é aplicada após o fim do processo.

Processo lento

O processo costuma levar anos, já que o condenado pode recorrer. 

 Em média, o processo leva até sete anos para uma decisão final.

Fonte: CTB, Sejus e Sesp.

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