Briga em família: procura por testamentos cresce 39% no Estado

Para advogados, o temor causado pela pandemia da covid-19 e a preocupação com a partilha dos bens motivaram o crescimento

Eliane Proscholdt, Francine Spinassé e Júlia Afonso, do jornal A Tribuna | 11/02/2022, 17:41 17:41 h | Atualizado em 11/02/2022, 17:45

Na busca por evitar disputas judiciais entre herdeiros, cresceu em 39% o registro de testamentos em cartórios de notas nos últimos anos no Estado.

Os dados, do Colégio Notarial do Brasil (CNB) – Conselho Federal, mostraram que no primeiro semestre de 2020 foram feitos 145 registros de testamentos no Espírito Santo. Já no mesmo período, no ano passado, foram 201.

Para advogados, o temor causado pela pandemia da covid-19 e a preocupação com a partilha dos bens  motivaram o crescimento.

O advogado, professor universitário e presidente da Comissão Especial de Direito de Famílias e Sucessões da OAB-ES, Igor Pinheiro de Sant'Anna, enfatizou que, em regra, a procura é maior por pessoas acima dos 50 anos. 

“Mesmo assim, ainda não é um hábito do brasileiro falar e se preparar para a morte e para a repercussão financeira dela decorrente, embora seja importante e até necessário, em alguns casos”, disse.

O advogado frisou que, apesar do crescimento do registro de testamentos, existem vários instrumentos para se realizar o planejamento sucessório. Como exemplo, ele citou a constituição de uma holding (pessoa jurídica), doação em vida, o seguro de vida e outros.

A advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, Anne Brito, também tem percebido uma maior procura pelo planejamento.  

“Somente esta semana, atendi quatro pessoas buscando informações. Nem sempre isso é feito somente por meio de testamentos”.

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Anne Brito frisou que a legislação brasileira de sucessões ainda é engessada. “Ela não permite que as pessoas deixem todos os seus bens para quem quiser. Ela só pode dispor 50% do patrimônio se tiver herdeiros necessários, como filhos, cônjuge, pais. Por isso é importante buscar orientação de um advogado”, aconselha.

O advogado especialista em Direito de Família e Sucessões, Tomás Baldo, acrescentou que, ao contrário do que muitos acreditam, o planejamento sucessório não é algo apenas para quem possui grandes riquezas, mas para todos que têm algum patrimônio que deva ser protegido. 

“Com o planejamento, é possível evitar que, em razão de disputas infindáveis entre herdeiros, haja prejuízos ao patrimônio. O processo judicial nem sempre é célere como gostaríamos e, com o passar dos anos e os conflitos, é comum que haja deterioração dos bens”.

Discussões levam 1.160 à Justiça

Sem chegarem a um acordo ou consenso após a morte de um ente querido, famílias têm levado a disputa por bens até a Justiça. Algumas decisões se arrastam por mais de 10 anos.  

O levantamento, feito pelo Tribunal de Justiça do Estado, mostrou que, em julho do ano passado, 1.160 ações referentes à heranças estavam em tramitação.

O advogado, professor universitário e presidente da Comissão Especial de Direito de Famílias e Sucessões da OAB-ES, Igor Pinheiro de Sant'Anna, afirmou que as disputas vão desde grandes patrimônios, até  objetos de família. 

“O planejamento sucessório poderia evitar que muitas dessas ações chegassem ao Judiciário. Muitas se arrastam por anos, com grandes prejuízos”, destacou.

A advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, Anne Brito, pontuou que as disputas causam grande desgaste nas famílias, já que parentes até deixam de se falar. “O quanto antes as pessoas se organizarem, é melhor para evitar perda de dinheiro, de tempo, e de saúde”, orienta a especialista.

Saúde

Quando as brigas por herança terminam em um fim trágico, a exemplo do que aconteceu com o açougueiro Cleuton Lopes da Silva, na Serra, no final de 2020, psiquiatras explicam o que pode motivar a prática de um crime.

“Briga por dinheiro é muito comum acontecer no caso de pessoas que têm personalidade antissocial ou até uma psicopatia. Acaba que a pessoa não tem nenhum tipo de remorso, não tem nenhum tipo de afeto pelo parente ou por um amigo. É o que a gente chama de sangue frio. Claro que a ponto de chegar e matar uma pessoa é mais raro, mas pode acontecer”, disse o psiquiatra Jairo Navarro. 

O médico psiquiatra José Luis Leal de Oliveira afirmou que, de uma forma geral, a própria disputa em si pode ocasionar nas pessoas uma excessiva ganância que pode inibir, em alguns, o freio moral que nos preserva dos desejos primitivos antiéticos, perigosos, e portanto repreensíveis.


ENTENDA


Planejamento

  • Para evitar disputas por bens após a morte, uma das alternativas é fazer o planejamento sucessório. Com ele, é possível organizar a forma em que será dividido o patrimônio, reduzindo gastos e conflitos familiares. 
  • A legislação permite que a divisão possa ser feita de diversas formas: 

1 - Testamento

  • É um dos mais conhecidos instrumentos nesse planejamento. 
  • Existem tipos diferentes de testamentos, como o público, o particular e o cerrado, mas existem regras. 
  • Caso a pessoa tenha herdeiros necessários (como pais, filhos e cônjuges), obrigatoriamente, 50% dos bens são destinados a eles. Logo, os outros 50% podem ser dispostos no testamento da forma que o  proprietário dos bens julgar melhor.

2 - Holding familiar

  • Consiste na criação de uma empresa, em que há a transferência dos bens familiares para a pessoa jurídica. Com a morte do autor da herança, os herdeiros, por previsão em contrato social, podem herdar as cotas e assumir a condição de sócios.

3 - Doações em vida

  • No caso de imóveis, a doação pode ser feita em cartório. A família pode entrar em consenso, e o doador estabelecer o que cabe a cada um.  
  • Nesta situação, o doador pode incluir no contrato cláusulas que mantém o usufruto dele enquanto viver, ou seja, o proprietário pode usufruir do imóvel e o herdeiro não pode alugá-lo ou vendê-lo sem autorização. Nesse caso, o doador deve ter cuidado para não violar a “legítima” parte do patrimônio que deve ir aos herdeiros, assim como no testamento.  

4 - Outros

  • Há outras formas de organizar sucessão patrimonial: seguro de vida, previdência privada com indicação de beneficiário, e outros. Especialistas podem definir a melhor opção.

Fonte: Especialistas consultados.

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