"Barriga solidária” para virar mãe

| 24/06/2020, 15:15 15:15 h | Atualizado em 24/06/2020, 15:43

A ação solidária da cunhada, aliada ao avanço da ciência, permitiu a uma fisioterapeuta a possibilidade de realizar o sonho de ser mãe após perder o útero por causa de um câncer.

A fotógrafa Patrícia Monteiro, de 45 anos, decidiu ceder seu útero para que a cunhada Karlla Leal, 32, de Marataízes, no Litoral Sul do Estado, pudesse ter filho.

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Patrícia já está no sétimo mês de gravidez e contando os dias para a chegada do pequeno Arthur, prevista para agosto.

A descoberta do câncer foi em 2018, quando faltava menos de um mês para o casamento da fisioterapeuta com Marcos Camporez, 33. “Descobri o câncer por acaso, durante exames”, relembrou Karlla.

Após o baque, o casal adiou o casamento para cuidar do tratamento de saúde da noiva. O útero foi totalmente retirado, mas os ovários foram preservados. Após a cirurgia, Karlla e Marcos se casaram em janeiro do ano passado.

Logo após a cirurgia, o médico conversou com a família e relatou que a possibilidade de o casal ter uma criança era por meio de adoção ou se conseguisse alguém que pudesse ceder o útero.

Patrícia se ofereceu para ajudar a cunhada e, juntas, começaram a pesquisar, até que conversaram com uma mulher de Goiás, que viveu experiência parecida. O procedimento, denominado “útero de substituição”, foi realizado na Clínica Huntington, em São Paulo, em novembro do ano passado.

A fertilização foi in vitro e todo material genético é do pai e da mãe da criança. Patrícia apenas cedeu o útero.

“Estou feliz por poder ajudar e não vejo a hora de poder entregar esse bebezinho no colo dela. Eu e meu marido, Wescley, seremos os padrinhos. Vai ficar tudo em família”, disse a fotógrafa.

Um ano de espera para procedimento em laboratório
Para realizar o procedimento de útero de substituição, a mãe biológica e a mãe solidária precisaram passar por um processo que durou um ano, entre exames e análise do Conselho Regional de Medicina (CRM).

De acordo com a médica Claudia Gomes Padilla, especialista em reprodução assistida da Clinica Huntington em São Paulo, essa autorização não seria necessária se as duas tivessem parentesco até o quarto grau, por exemplo, se fossem irmãs, primas, tia e sobrinha ou mãe e filha. A regra vale também para o homem.

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Não existindo esse parentesco, é possível fazer o procedimento com uma amiga ou uma pessoa conhecida, porém, neste caso, é preciso de autorização do CRM.

É necessário apresentar um motivo que justifique tal medida. Normalmente, é destinada a mães que apresentam problema no útero ou de saúde que impeça a gestação. Daí o nome útero de substituição.

No entanto, a médica faz um alerta. Não pode haver remuneração, a chamada barriga de aluguel, prática que é comum em alguns países, como nos Estados Unidos, mas proibida no Brasil.

Geralmente o CRM libera o procedimento nos casos em que há justificativa, após exames e avaliação psicológica.

De acordo com a especialista, o primeiro passo é avaliar a qualidade da produção de óvulos da mulher e de sêmen do homem, além de exame no útero da mãe solidária. O ideal é que a mulher que irá ceder o útero já tenha tido filho. Mas não é obrigatório.

O passo seguinte é a coleta dos óvulos e do sêmen. Para isso, a mãe biológica é estimulada a ter ovulação por meio de medicações apropriadas.

A clínica faz a seleção dos melhores óvulos e dos melhores espermatozoides para a geração do embrião. Esse processo é in vitro, todo feito em laboratório.

Posteriormente, o embrião é inserido na mãe solidária, que nessa fase também já passou por um tratamento hormonal.

No caso da Karlla e da Patrícia, explicou a especialista, o procedimento foi bem tranquilo, já na primeira tentativa deu certo. Mas pode ser necessária mais de uma tentativa. Normalmente, a taxa de sucesso é de 60% para mulheres de até 35 anos, caindo de acordo com o aumento da idade.

“Serei madrinha, a 2ª mãe”, Patrícia Monteiro - barriga solidária

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A Tribuna – Como surgiu a ideia de fazer esse procedimento?
Patrícia Monteiro – Após a cirurgia, o médico disse que tinham dois caminhos: ou ela adotava ou partia para barriga solidária. No Brasil, a adoção é um processo demorado. Falei: “Vamos tentar”. Começamos a fazer os exames, procuramos a clínica e deu certo.

A Tribuna – Como está a gravidez?
Patrícia Monteiro – Está tudo bem, graças a Deus. Estou no sétimo mês de gravidez. A fertilização foi in vitro, o material genético é deles. Apenas emprestei um lugarzinho para gerar o bebê. A gente até pensou em fazer parto normal, mas vai ser cesariana. Tenho 45 anos. Meu filho, de 15, Rodrigo, também foi cesariana.

A Tribuna – Por que decidiu se oferecer para ser a barriga solidária?
Patrícia Monteiro – Eu gosto muito dela. Sou casada com o irmão dela há 11 anos, mas já a conhecia antes. Ela foi minha aluna. Então temos uma afinidade, e vivemos esse impacto da doença, que foi muito forte para todos.

A Tribuna – Está ansiosa pela chegada do neném?
Patrícia Monteiro – Estou muito feliz. Não vejo a hora de entregar esse bebezinho no colo dela, para que ela possa curtir. Eu e meu marido vamos ser padrinhos. Vai ficar tudo em família. Vou ser a madrinha, pois dizem que madrinha é a segunda mãe.

“Meu corpo já produz leite”, Karlla Leal Mãe - biológica

A Tribuna – Como descobriu que estava com câncer?
Karlla Leal – Foi de repente. Não fiquei doente, não tive sintomas. Fui ao médico, pois faltava a um mês para o casamento. Eu queria ter um filho logo e meu marido me instruiu para que fizéssemos os exames. Foi aí que detectamos.

Na mesma semana, marquei a cirurgia. Não sabia que ia perder o útero. A biópsia apontou que estava no colo, mas nos 15 dias que aguardava o exame, o câncer invadiu o útero.

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A Tribuna – Como surgiu a ideia da “barriga solidária”?
Karlla Leal – No mesmo dia da cirurgia eu já comecei a pesquisar junto com meu marido. Foi quando cheguei à ideia da barriga solidária. Antes, só era possível entre parentes sanguíneos, mas fiquei sabendo que havia mudado. Porém, teríamos que ter autorização do CRM (Conselho Regional de Medicina).

A Tribuna – Então pediu a sua cunhada?
Karlla Leal – Tempos depois da cirurgia, eu assistia uma série sobre infertilidade na televisão, e minha cunhada chegou para me visitar e me encontrou chorando. Eu nem conseguia falar. Ela viu a TV ligada e já compreendeu. Disse: você não precisa chorar mais, pois está tudo resolvido se é isso que quer.

A Tribuna – Como avalia essa atitude?
Karlla Leal – Eu sempre falo para ela que eu vou passar a minha vida inteira agradecendo e não será o bastante. Patrícia não tem só a barriga solidária. Ela tem a alma solidária.

A Tribuna – Como estão os preparativos para a chegada do bebê?
Karlla Leal – É só a ansiedade para ver o rostinho dele. O mais interessante é que, no mês que vem, começo estimulação para amamentar, mas já estou produzindo leite.

A médica explicou que meu corpo está se preparando para a chegada do meu filho. Isso é incrível. Quando digo isso para as pessoas, todas falam que é coisa de Deus.

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