Falso médico no Estado: “Quero que ele seja preso por matar minha filha”, diz mãe
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Em choque, a professora Alessandra Ferreira Marcelino, de 48 anos, paralisou em frente à televisão ao ouvir a notícia da prisão do falso médico que fazia atendimento em São Mateus, no Norte do Estado.
“Meu coração acelerou e eu gelei, pois, quando falou o nome dele, eu tive a certeza: era o médico que matou minha filha”, afirmou.
A pequena Ana Luisa Ferreira Marcelino, de 10 anos, morreu no dia 11 de janeiro deste ano, pouco depois de ser atendida e medicada pelo falso médico.
Após quatro anos atendendo a crianças como Ana, ele foi preso pela Polícia Federal na última quarta-feira por prática ilegal da medicina. A polícia, no entanto, só teve conhecimento da morte após a mãe ficar sabendo da prisão. “Quero que ele seja preso por matar minha filha”, clama Alessandra.
A professora conta que a filha tinha passado mal no mesmo dia de sua morte, vomitando e com dor de barriga. A mãe levou Ana Luisa ao Hospital Estadual Roberto Arnizaut Silvares, em São Mateus. Foi lá que o drama dela começou.
“Eu perguntei quem era o pediatra de plantão e me disseram que era um médico de fora. 'Um médico muito bom', falaram”.
A mãe relata que descreveu os sintomas da filha e, sem fazer nenhum exame, o “médico” decretou: “Isso é gastroenterite! Muito comum em crianças”. Desconfiada de que poderia ser algo ainda mais grave, Alessandra pediu para que exames fossem realizados, mas ele não deu ouvidos.
Ele prescreveu uma medicação que prometia “cortar o vômito” e deveria ser tomada ainda no hospital e, depois, em casa, para onde ela seria liberada logo em seguida. Ana Luisa nunca mais foi embora.
“Quando a enfermeira fez a medicação, a Ana gritou: ‘Mamãe, meu coração tá doendo!’. Ela convulsionou na minha frente e eu comecei a gritar por socorro”.
O “médico” saiu da sala e Alessandra, desesperada, questionou: “O que você fez com minha filha?”. Pouco depois, ele voltou. “Numa forma muito fria, me disse: ‘Ela parou’. Eu parti para cima dele, chamei-o de assassino. Ele virou as costas e foi embora. Minha filha morreu, e eu entrei em depressão”.
A Tribuna – Como foi o atendimento com o falso médico?
Alessandra Ferreira – Entramos na sala dele por volta das 23 horas. Ele perguntou o que estava acontecendo e eu disse que minha filha estava vomitando e com dor na barriga. Sem fazer nenhum exame, ele disse que era gastroenterite. Eu pedi para fazer exames, porque estava achando que poderia ser algo ainda mais sério.
Com deboche, ele disse: “Eu posso investigar, mas você quer que eu interne sua filha e ela divida leito com pessoas que têm covid?”. Depois, descobri que não havia paciente com covid no hospital.
Ele medicou sua filha?
Sim. Ele insistiu que era gastroenterite e que era para eu continuar dando remédio em casa. Ainda disse: “Se ela pedir Coca-Cola no café da manhã, pode dar”. Ele me deu uma prescrição para ela tomar um remédio na sala de medicação. Segundo ele, era para cortar o vômito e a dor.
Quando ela piorou?
Quando a enfermeira aplicou a medicação, o sangue dela veio pela boca. Na hora em que o remédio entrou, a Ana gritou: “Mamãe, meu coração tá doendo!”.
Ela começou a convulsionar na minha frente, e a enfermeira ficou desesperada. Nós a colocamos na maca e eu gritei por socorro. Ameaçaram me tirar dali porque eu só gritava. As enfermeiras foram para a sala de emergência umas 10 vezes para buscar medicação.
Você chegou a falar com o médico depois disso?
Passados alguns minutos, ele falou que ela estava sedada. Depois, disse que estava indo à UTI buscar um equipamento. Uma enfermeira se prontificou a ir, mas ele não deixou. Falou que minha filha era uma “leoa” e eu disse que só queria que ela ficasse bem.
Como soube da morte?
Logo depois, ele entrou na sala onde ela estava, saiu e veio em minha direção. E, numa forma muito fria, ele disse: “Ela parou”. Eu comecei a chamá-lo de assassino. Ele virou as costas.
Falaram a causa da morte?
Eu fiz uma procuração e pedi o laudo. Ele demorou 120 dias para ficar pronto, o que não é normal. A perícia estava com muita dificuldade para encontrar a causa da morte.
Como você ficou?
Entrei em estado de depressão e fui para Baixo Guandu. Só retornei para São Mateus para meu outro filho não perder as aulas.
Pensou em denunciar?
Pensei, mas meus amigos disseram que ele poderia me processar. Eu queria ir à polícia porque sabia que ele não tinha agido certo. Ele matou minha filha. Na quarta-feira, quando liguei a televisão e mostraram o hospital, eu gelei. Quando falou que era um falso médico que atuava como pediatra, meu coração acelerou. E quando falaram o nome dele, eu tive a certeza.
O que espera agora?
Vou lutar com todas as minhas forças. Quero que ele vá a júri popular, pague pelo que fez. Que ele pague por homicídio doloso, pois ele teve a intenção de matá-la.
Polícia Civil investiga morte da menina em São Mateus
A Polícia Civil está investigando se o falso médico que atendeu Ana Luisa Ferreira, 10, em um hospital de São Mateus, tem responsabilidade pela morte da menina.
A mãe, Alessandra Ferreira, procurou a delegacia na quinta-feira, após ficar sabendo, pela TV, que o pediatra não era formado e atuava de forma ilegal.
A investigação é feita pela Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa de São Mateus. “Para que a apuração seja preservada, nenhuma outra informação será repassada”, informou a Polícia Civil, em nota.
O advogado criminalista Flavio Fabiano disse que casos de erro médico, geralmente, são enquadrados como culposos (sem intenção). Porém, neste caso, ele acredita na possibilidade de homicídio doloso, quando há intenção de matar.
“Verificando-se que a criança morreu em razão de alguma ação direta daquele que não tinha habilitação para clinicar, podemos estar diante de um crime doloso, pois ele sabia que não tinha capacidade técnica para fazer o atendimento, assumiu o risco”, explicou. A pena varia de seis a 20 anos de prisão.
SAIBA MAIS
Documento falso
- O falso médico cursou seis meses de Medicina em uma faculdade na Bolívia e depois foi para o Paraná.
- Lá, o acusado apresentou documentos falsos que comprovariam que ele teria feito 90% do curso. Após estudar por um ano em uma faculdade particular, ele conseguiu acesso ao seu diploma.
Atuação na Bahia
- Em seguida, atuou na Bahia, até ser investigado pela Polícia Federal.
Ida para São Mateus
- Ao descobrir que era investigado, fugiu para São Mateus. No Norte do Estado, atuou por quatro anos em hospital e unidades de saúde.
Líder do esquema criminoso
- Depois que conseguiu seu diploma, por meio do ato criminoso, o homem passou a liderar uma organização que cobrava até R$ 40 mil por documentação de transferência.
Fonte: Polícia Federal.
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