“É um bom momento para se livrar de um mau hábito”, diz psicóloga
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Momentos de crise, como a da pandemia da Covid-19, rompem com a rotina e exigem adaptações para uma nova realidade. Assim, mudanças são necessárias, o que pode ser uma oportunidade para se livrar de maus hábitos.
No entanto, é preciso estar aberto ao novo e entender que as coisas dificilmente voltarão a ser como antes. Isso em todas as áreas da vida, como em relações familiares, de trabalho, de estudo e outras.
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Doutora em Psicologia e Gestalt-terapeuta, Luciana Souza Borges Herkenhoff destaca que é possível fazer ajustes para viver melhor em meio à crise.
“O mais positivo é sempre para aquelas pessoas que buscam novos caminhos diante de novas circunstâncias. Pensam: Como posso voltar ao equilíbrio com novas ferramentas e modos de viver?”
Luciana, que também é professora universitária e supervisora clínica, explica que é as pessoas de modo geral têm certa resistência ao novo. Algumas têm mais facilidade em se ajustar do que outras, mas é possível para todas.
A Tribuna – Como a pandemia impactou o comportamento das pessoas?
Luciana Souza Borges Herkenhoff – As pessoas foram retiradas de um automatismo. Elas vinham tendo relações familiares, de trabalho e de saúde da mesma forma há algum tempo. E a pandemia alterou bruscamente fatores que sustentavam esses hábitos. Então elas forçadamente tiveram de repensar seus comportamentos.
Antes, a vida acontecia fora dos domicílios e a casa era vivenciada como local de descanso. Agora, a casa passou a ser o contexto principal, é onde tudo acontece: lazer, trabalho, descanso. Isso forçou mudança de hábitos em todos os sentidos. Foi necessário pensar novas estratégias de convivência.
Foi uma mudança gigantesca e muito rápida, com muitas pessoas tendo a sensação de que não conseguem acompanhar.
Momentos de crise são favoráveis para reavaliar a vida e buscar mudanças de hábitos?
O conceito de crise (como está acontecendo com a pandemia) diz sobre coisas que comumente aconteciam de um jeito e que passam a não poder mais acontecer da mesma forma. E é muito rápido.
Não apenas na psicologia, mas em todas as áreas, a crise é entendida como possibilidade de mudanças positivas. Ela não necessariamente representa algo negativo. É um bom momento para se livrar de um mau hábito. Mas depende de cada pessoa e de uma série de circunstâncias para que cada um possa procurar novos rumos.
Por exemplo, como é a vida online, se o sinal de internet é bom, se as condições da casa são favoráveis para permanecer mais tempo nela... Muitas pessoas estão fazendo pequenos ajustes para viver melhor a partir deste momento.
O que fazer para garantir que as mudanças sejam boas?
Depende de como cada pessoa encaminha a crise que está vivendo. Algumas ficam esperando que as coisas retornem a ser como eram no passado. Sempre tem quem busque o equilíbrio antigo, mas esse é o caminho mais difícil.
O mais positivo é sempre para aquelas pessoas que buscam novos caminhos diante de novas circunstâncias. Pensam: “Como posso voltar ao equilíbrio com novas ferramentas e modos de viver?”.
Tivemos rompimento com o equilíbrio e agora vivemos em busca de readquirir um equilíbrio, o que não necessariamente precisa ser pelo mesmo caminho de antes.
Na minha área, por exemplo, quase todo mundo foi para consultório online. Eu migrei e me surpreendi. Se tivesse aguardando voltar para o consultório físico, teria sido pouco viável. Foi preciso buscar alternativa em todas as áreas.
É necessário fazer uma série de ajustamentos criativos (adaptações). Muitos estão conseguindo fazer e isso é muito positivo. Tem pessoas que passaram a cozinhar e a cuidar da casa, por exemplo.
Claro que não são todos que conseguem. Mas essas adaptações podem trazer aspectos positivos.
As mudanças comportamentais que estão ocorrendo agora devem permanecer a longo prazo?
Podemos pensar só por hipótese, mas vai depender do quanto ainda vai durar. Já estamos há um ano dessa forma e, segundo analistas sobre essa crise sanitária e política, há perspectiva de que se mantenha até o ano que vem. É um tempo grande. Creio que grande o suficiente para ser difícil que as pessoas voltem ao que era antes.
Acredito que algumas coisas não devem voltar, como hábitos de consumo, trabalho e estudo. E as relações também porque ficamos confinados juntos.
Com as famílias convivendo mais dentro de casa, esse processo de ajustes deve ser coletivo ou cada pessoa pode desenvolver isso individualmente?
Falando de um sistema familiar, é muito complexo. Vai depender de cada um tanto como pessoa quanto como membro desse sistema.
Cada sistema familiar tem funcionamento próprio. Alguns são mais fáceis de lidar e permitem que seus membros se manifestem. Outros são muito dificultadores e não permitem que um membro manifeste qualquer sentimento contrário ao do grupo.
Por que algumas pessoas têm uma maior resistência a mudanças?
Isso aponta para a característica de personalidade. De modo geral, as pessoas têm alguma resistência ao novo, pois é mais fácil seguir com o que já sabe e está acostumado a fazer. Porque estão familiarizadas a modos que funcionavam para elas. Só que algumas pessoas, por história de vida ou questões biológicas, têm dificuldade maior. Essas reagem com medo de agir diferente porque vêm riscos com as mudanças.
Já outras facilmente se adaptam a qualquer pressão para mudança devido ao olhar que elas têm sobre a vida de modo mais flexível. Elas têm menos medo e arriscam-se um pouco mais.
Percebemos também que pessoas que tiveram muito histórico de mudança na vida estão reagindo bem neste momento porque é como se tivessem repertório maior de mudanças e conseguem se adaptar um pouco mais rápido.
Pessoas com histórico de vida estável têm dificuldade maior, pois não tiveram oportunidade na vida para exercer adaptações.
A boa notícia é que somos seres plásticos. Mesmo que seja um caminho difícil, desenvolvemos recursos para lidar com o que for. Não é fácil, mas é possível.
A autoavaliação deve ser feita mesmo quando aparentemente tudo na vida vai bem?
Eu sigo a gestalt-terapia, que nos ensina que mudanças ocorrem o tempo inteiro ao longo da nossa vida, história e desenvolvimento. A gente que às vezes não observa porque são micromudanças.
Há acontecimentos mais perceptíveis, como mudanças biológicas, casamento, divórcio, filho saindo de casa... São momentos que, bem ou mal, impõem adaptações. Não existe vida sem mudanças.
Perfil
Luciana Souza Borges Herkenhoff
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Possui Mestrado e Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e Graduação em Psicologia pela PUC de São Paulo.
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Também têm de especializações em Psicologia Jurídica, Saúde Pública, Gestalt-Terapia e Terapia de casal e família.
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É professora de graduação do curso de Psicologia da UVV.
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Também atua como supervisora clínica e gestalt-terapeuta.
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