“Sofagate”, a gafe diplomática
O vídeo correu o mundo: políticos, feministas, cerimonialistas e mulheres de todo o planeta o analisaram com diferentes interpretações. Nele, um encontro entre a presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen, o presidente da Turquia, Recep Erdogan, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que abordou temas delicados – como políticas de imigração – resultou em um grande fiasco diplomático.
A sequência mostra as três autoridades entrando no salão onde se daria a conversa.
Contra a parede, como de praxe, poltronas posicionadas à frente das bandeiras da Turquia e da Comunidade Europeia – como manda o protocolo.
Detalhe: Ursula van der Leyen é superior ao colega na hierarquia e, portanto, caberia a ela a precedência de sentar-se à direita do presidente Erdogan. Não aconteceu. E, até aí, poderíamos culpar o cerimonial por indicar erroneamente os lugares.
O problema é que, não apenas o colega Charles Michel não se levantou, como, nos cinco segundos em que ela parou ao centro e emitiu um “ahnnn” em tom de dúvida, os dois homens continuaram a ação como se ela fosse invisível.
Ursula sentou-se em um sofá a, pelo menos, três metros de onde estavam as cadeiras de honra – lugar reservado a assessores menores e acompanhantes, em uma maneira de diferenciá-los das altas autoridades nas cadeiras centrais.
Mico total – Eu, no lugar dela, teria ficado em pé – de preferência, no cangote dos dois mal-educados – durante todo o encontro. E não... não é mimimi e, sim, reconhecer a hierarquia e a importância da pessoa em um ambiente onde hierarquia e importância são só o que conta.
Aula 1 – Em encontros como esse, há equipes que representam cada um dos participantes. Nessas equipes, há pelo menos uma pessoa do cerimonial – para perguntar onde vai sentar seu/sua chefe, em que momento fala, horário e local de chegada etc.
Erra quem acha que não precisa, e paga mico.
Aula 2 – Em encontros assim, há o que é previsível (o roteiro protocolar) e o imprevisível, que depende do “estilo” do anfitrião, das dependências e configuração do local do encontro, do tempo que terão juntos e dos demais participantes.
E, para minimizar esses fatores, é que o cerimonial de cada um conversa, avalia, e alinha cada minuto – para evitar micos. Que, ainda assim, acontecem.
Aula 3 – Qualquer político minimamente versado em diplomacia e bom trato percebe uma falha desse calibre e, rapidamente, chama o cerimonial (mesmo em meio à cerimônia) e pede providências. É melhor do que passar recibo de ogro.
Ora, várias e várias vezes, quando chefe do cerimonial, fui chamada pelo então governador José Serra para providenciar mais uma cadeira para alguém que chegara atrasado e cuja estatura exigia que estivesse no palco.
Trata-se de sensibilidade e empatia pura e simples.
Em tempo: Recebi Recep Erdogan em 2010 em São Paulo. De todos os chefes de Estado, reis, o imperador Naruhito e, até mesmo, o papa Bento XVI, ele foi, de longe, o mais desagradável que tive o desprazer de conhecer. Ursula não está sozinha.