Prioridade para uma reflexão sobre a pandemia da Covid-19
Embora tenha ocasionado a morte de milhares de pessoas no Brasil e de milhões no mundo, no início do século passado, a chamada "gripe espanhola", para a grande maioria dos brasileiros, é desconhecido capítulo da história ou, quando muito, algo que apenas se sabe ter ocorrido, sem maiores detalhes a respeito.
Por incrível que possa parecer para nós, que vivenciamos atual tormento, o mesmo deverá acontecer com a Covid-19, pois, ainda que tanto afete a população, para a história, em princípio, será apenas um dos seus trágicos capítulos, que torcemos para que termine o mais rápido possível.
Nessa perspectiva, estes repetidos dias de tremenda aflição, com o passar dos anos, caberão em poucas páginas de um talvez nem tão visitado livro, que, a rigor, não seria suficiente para nominar os que nos são tão caros e que tiveram suas vidas ceifadas por um vírus que repentinamente surgiu e diminuiu a marcha do então irrefreável curso de causas que não admitiam pausa sequer para pensar um pouco sobre os rumos da humanidade.
Fato é que na mesma Genebra dos Fóruns Econômicos Mundiais, o momento é da Organização Mundial da Saúde, onde, há pouco tempo, quando o mundo ultrapassava número de um milhão de mortos pela Covid-19, o diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus, proferiu palavras que bem poderiam ocupar ao menos algumas linhas desses livros da história: "nunca é tarde demais para mudar o curso das coisas".
Foi assim, por exemplo, que depois de duas fratricidas guerras mundiais, separadas por curto espaço de tempo e que levavam à enorme probabilidade de repentina terceira, que o mundo se uniu em torno da criação de importantes documentos e órgãos internacionais, com o propósito de tentar "mudar o curso das coisas", em um momento crítico da história, possuindo o grande mérito da união em torno de valorosos objetivos, o que se constitui num relevante alicerce para bons resultados, venham eles ou não.
Porém, não obstante esse e outros históricos exemplos de transformação a partir de imensa dor, difícil obedecer à lição básica da união, quando se trata de enfrentar um inimigo invisível, terrivelmente letal para toda a humanidade, se ela própria vive se aniquilando, mediante as mais variadas armas que atualmente municiam tal finalidade.
Por mais que a surpresa dificulte quaisquer estratégias de defesa, em situações como tais, um cenário político, econômico e social extremamente desarmônico, encontra ambiente perfeito para diretrizes a partir de menos coalizão e mais dispersão, consequenciando ruidosa instabilização, donde cada qual com a sua razão, de acordo com a própria pretensão.
Nenhuma bem-vinda vacina será suficiente para combater novas cepas dessas armadilhas, daí a importância de retirar dos fatos a lição, para, além da dor, a história não registrar que essa pausa universal na evolução, não serviu de sinal evidente quanto à indispensável necessidade de rever a programação.
Luiz Antônio de Souza Silva é promotor de Justiça e escritor.