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Tribuna Livre

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Colunista

Leitores do Jornal A Tribuna

O novo presente, a ansiedade de futuro e o desafio da esperança

| 13/09/2020, 11:58 11:58 h | Atualizado em 13/09/2020, 12:01

“Existirmos: a que será que se destina?” À beira da perda que desatina, Caetano fez filosófica rima para questionar a vida e sua sina. Ao incrementarmos o subir à tona da existência, após mergulho forçado às claustrofóbicas profundezas pandêmicas, à frente da turva retina põe-se tarefa cristalina: calibrar porções do presente e do futuro na formulação da rotina.

Tal missão se trata do evidente destino sob o Sol – também adicionado do desafio de conjugar no contemporâneo o passado recorrente. Mas dos buracos do ocorrido recente e seu luto, conversemos à frente. Fiquemos, por ora, na contingência que pode somar angústia extra à retomada, ao incrementar a presença das expectativas na pauta de um cotidiano que ainda vê o horizonte pela fresta, mas que tem pressa de porvir.

No instantaneísmo que candência a experiência midiático-consumista do nosso tempo, vertiginosamente atualizado pela digitalidade, já se penava das ansiedades do excesso de futuro num presente depreciado, gerando montanhas de resíduos de pretérito não reciclável, posto que não memorável.

Há milênios, já se sabe que nunca apreciamos um mesmo rio. Mas a radicalidade da impermanência vem se alucinando ao crescente ritmo inumano das capacidades operativas das máquinas digitais e do sistema produtivo a elas acoplado, numa lógica muito além do fôlego humano de saborear a vida.

Neste retorno a algum normal, o já tão marcante desvirtuamento da experiência temporal pode ensejar novos patamares de mal-estar e ainda alvejar um elemento essencial à existência humana, a esperança, que lá do futuro manda suas miragens a colorir de promessas e desejos o hoje.

Corre-se o risco de cada vez mais se querer acelerar a travessia do presente virótico, ansiando vertiginosamente o futuro vacinado, ornado com as vestes do amanhã imunizado. Afinal, a expectativa por dias melhores se tornou o fiel da sanidade psíquica e a base de projetos redentores – e certamente se incrementará com o correr dos dias das voltas. Tirando o cético poético de Quintana, para quem a “esperança é um urubu pintado de verde”, ou de Borges, a quem se atribui que “a esperança é o mais sórdido dos sentimentos”, resta evidente que, à la Zeldin, “a esperança é a origem da humanidade”.

Assim, neste novo presente, esperançar é desafio ainda maior. Não podemos deixar que a esperança se torne ilusão narcotizante, miopia do agora, onde verdadeiramente se constrói o amanhã, ao mesmo tempo em que não podemos abrir mão de seu doce e inspirador aceno lá de adiante.

É preciso caprichar no exercício de conjugar os verbos da vida em presente e em futuro. Difícil gramática existencial, especialmente em tempos tão irregulares. Mas como poetizou Ana Vianna, “a vida é um sopro de tempo ofertado/ sendo nosso gesto verdadeiro recebê-lo/ E ousá-lo”. E o templo da ousadia é o hoje, ainda que norteado pela esperança que à distância ilumina, tendo sempre em vista que a matéria vida é “tão fina”.

José Antonio Martinuzzo é doutor em Comunicação, pós-doutor em Mídia e Cotidiano, professor na Ufes, membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória

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