O livro nosso de cada dia
Mentalidades democráticas reconhecem o livro, tanto como meio de comunicação quanto elemento de (trans)formação humana e cultural. Nas sociedades democráticas, o livro, além de produzido, precisa ser acessado por todas as pessoas.
Em “terra brasilis”, contudo, vivemos na contramão desse processo. Alguns exemplos são o comportamento da sociedade, capturado em pesquisas da área; e a condução das políticas públicas relacionadas ao acesso ao livro.
De acordo com a pesquisa “Retratos da leitura no Brasil” (2020), realizada pelo Instituto Pró-Livro (IPL), 52% de brasileiras e brasileiros não têm o hábito de ler livros – uma redução de 4% em relação ao ano de 2015.
As causas atribuídas ao fenômeno são as mais diversas. Elas vão desde a influência da internet sobre o comportamento da população, de modo mais amplo, às redes sociais, como uma espécie de concorrentes pela atenção e pelo tempo das pessoas, de maneira mais específica.
Isso sem contar os indicadores de analfabetismo. E, ainda, o preço dos livros físicos. Esses dados não podem ser lidos fora do contexto macroeconômico e político brasileiro.
O governo federal, paradoxalmente, ao invés de potencializar políticas públicas com o objetivo de ampliar investimentos para formar mais leitores e produtores de textos, propõe uma reforma tributária na qual um dos pontos diz respeito ao fim da isenção para livros. A justificativa é que eles são produtos exclusivos da elite.
A proposta, se aprovada, trará uma série de efeitos. Eles vão desde o encarecimento do valor do livro ao aprofundamento da desigualdade do acesso aos diversos conhecimentos e culturas que eles representam. Isso, sim, um prejuízo incalculável!
O livro nos coloca diante da multiplicidade da vida. A leitura dessa infinidade de modos de ser e de fazer não admite que permaneçamos indiferentes ao mundo e no mundo.
Dessa ideia também vem a importância de estilhaçarmos a lógica que afirma que livro é produto exclusivo de um determinado grupo social.
Por essas e outras é importante que, cada vez mais, as consideradas minorias – mulheres, população negra, comunidades periféricas, população LGBTQIA+ e pessoas com deficiência – escrevam e sejam lidas.
Uma das maneiras de ampliar e democratizar o acesso aos livros, contribuindo para a formação da leitora e do leitor que se pretende nas próximas gerações, é lendo, hoje, com uma criança. Geralmente, é pelas mãos adultas que o livro para crianças chega até elas.
Logo, as políticas públicas precisam concorrer para a democratização do acesso ao livro, da criança pequena à população idosa, garantindo que ele, cotidianamente, faça parte da vida das pessoas.
A proposta de taxação de livro é um retrocesso social que aprisiona a formação cultural brasileira.
A palavra “livro” tem origem no latim “líber” e se relaciona com “liberdade”. Isso faz lembrar Saramago quando diz sobre “a responsabilidade de ter olhos quando outros os perderam”. Face à (o)pressão dos tempos, recuperemos a lucidez. Defendamos o livro.
LILIAN MENENGUCI é escritora e professora, doutora em Educação