“Minha mãe me ensinou que não há heróis”, diz a atriz e cantora Maria
O nome é simples, comum, vem de sua fé. É devota de Nossa Senhora Aparecida. Vitória virou Maria. Só Maria. Sem sobrenome. Assim, ela diz, também se aproxima de todas as mulheres, mostra os valores aprendidos, especialmente com sua mãe, e se fortalece.
“A minha mãe me ensinou que não há heróis. Ela me criou para a realidade. Sempre disse: 'Filha, não adianta você pensar em ter um homem que vai te bancar ou que você vai ser salva por um príncipe encantado. Eles não existem'. Ela me criou para ter o meu trabalho, a minha independência”, conta ela.
A conversa, por telefone, com a atriz e cantora Maria revela uma jovem bem mais madura do que seus 19 anos. Criada na favela da Cidade Alta, no Rio de Janeiro, aos 3 anos ela queria ser artista.
Aos 15, cantava em bares. Então passou pelo coletivo Poesia Acústica e, aos 17, assinou contrato com a Sony Music e se firmou como uma das revelações da música.
Agora, é estrela de novela. Com a Verena, de “Amor de Mãe”, ela vive seu sonho: ser atriz. E não foi fácil conquistá-lo. “Já enfrentei tiroteio, já fui humilhada, sacaneada, passei por depressão, auto-mutilação... muitas coisas. Hoje vejo tudo isso como superação”, revela.
E então completa: “Eu não fui especialmente contemplada com dificuldades. Isso é o que vive a galera que é da favela, desprovida de direitos básicos. Nosso caminho é mais difícil. A gente cresce enxergando as coisas de outra forma, tenta sair dessa realidade e aprende a se virar na vida por conta própria”.
“Nos enxergam como pessoas limitadas”
AT2 - Por que a Vitória virou Maria?
Maria - (Risos) Em casa, eu ainda sou Vitória. Brinco que “Maria” me escolheu. Acho que foi algo espiritual, da minha fé. E também vi que era um nome tão forte, tão universal, tão feminino. Maria me aproxima de todas as mulheres.
Você sonha em ser atriz desde os 3 anos. O que fazia?
Eu perturbava muito a minha mãe. (Risos) Assisti a “O Lago dos Cisnes” com ela e minha avó e disse que queria subir ao palco. Então, ela me colocou na aula de balé. E eu fui uma péssima bailarina. Aos 7 anos, eu fui para o teatro.
Sua mãe te apoiava?
A minha mãe, de longe, foi a pessoa que mais me apoiou. Mas a minha avó, meu pai e minha irmã também. Todos estavam lá no meu primeiro show, na primeira peça de teatro. Todos compram o jornal para me ver na capa. Eu sei que esse é um privilégio que eu tenho.
Acha que estava predestinada a ser atriz?
É algo que sempre esteve em meu caminho. A minha missão era trabalhar com a arte. Mesmo enfrentando obstáculos, nunca duvidei que essa era a minha missão.
Há semelhanças entre Verena e Maria?
Essa coisa de ascender da pobreza e incomodar com a sua forma autêntica de ser são traços que eu identifico em mim.
Você incomoda?
Eu sempre vou incomodar. Sempre haverá uma parcela da população que se incomoda com o pobre frequentando os mesmos lugares, fazendo as mesmas coisas, tendo os mesmos direitos.
Luta contra os rótulos?
Sim. Eu luto muito para me livrar de estereótipos. Luto para que me enxerguem como uma pessoa capaz. Porque a verdade é que nos enxergam como pessoas limitadas.
É uma referência para as meninas. Como é isso?
Eu não gosto de ser vista como um exemplo, é uma grande responsabilidade. Mas penso muito antes de falar, porque eu sei que muitos jovens me escutam e suas famílias também. Então, tento passar os meus valores para os jovens favelados, para as meninas. Tento mostrar que há um caminho, que precisamos lutar juntos.
Foi duro chegar aonde chegou?
Sim. Acho que a nossa batalha é sempre mais difícil. É um caminho mais longo a ser percorrido. É preciso ter consciência de que há um lado mais fraco, que é prejudicado e que não tem os privilégios e as oportunidades que o outro lado tem.
Se fosse tudo mesmo pelo talento, pelo mérito, eu já teria chegado aqui há muito tempo. Mas eu não gosto de dizer que sou guerreira. Porque essa é uma guerra em que eu não pedi para estar. Passar por tanta dificuldade não é um caminho que a gente escolhe.
Que recado daria à Maria de anos atrás?
Eu diria para estudar mais. Porque aprender é primordial.
Aonde chegará?
Agora, estou em um momento Zeca Pagodinho, deixando a vida me levar. (Risos) Aprendi a confiar, a deixar a vida seguir o seu curso, sem nunca entregar nada de bandeja. Estou estudando, me dedicando e deixando acontecer.
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