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Martha Medeiros

Martha Medeiros

Colunista

Martha Medeiros

Incoerência

| 09/02/2020, 18:06 18:06 h | Atualizado em 09/02/2020, 18:07

Não sei se o Brasil inteiro soube. No interior do Rio Grande do Sul, um homem atirou sete vezes na namorada, durante uma briga, e acertou cinco tiros. A moça foi socorrida e sobreviveu. No dia do julgamento, a vítima dava seu depoimento quando, de repente, pediu licença ao juiz, aproximou-se de seu agressor e, de forma totalmente inesperada, tascou-lhe um beijão na boca. Um beijo apaixonado. No dia seguinte, a foto estava estampada no jornal e todos nós de queixo caído.

Nas redes sociais, os palpites resumidos de sempre. “Síndrome de Estocolmo”. “Desserviço ao feminismo”. “Ignorância”. “Cavando a própria sepultura”. Etc, etc.

Os psicanalistas foram chamados a explicar. Lembraram que antes de acontecer uma violência física, há um longo período de violência psicológica que estraçalha a autoestima da vítima: ela acredita que não será ninguém sem o amor daquele homem. Por não conseguir se libertar, fantasia que o amor será mais forte e salvará a relação no final.

As estatísticas estão aí para quem quiser ver. O perdão não vai salvá-la. O amor não vai salvá-la. Ela morre no final.

A foto perturbou a mim e a todos, pois escancara o quanto somos frágeis e trazemos desejos submersos, originados sabe-se lá por quais desvios.

A gente se esforça para manter uma versão ajustada de si mesmo, para entregar à sociedade um perfil que seja condizente com o que se espera de um cidadão sensato, e até que nos saímos bem: ninguém costuma desconfiar das nossas fraturas emocionais e suas consequências.

Só dentro de casa, protegidos dos olhares e do julgamento alheio, é que liberamos nossas carências, traumas e fetiches.

Entre quatro paredes, nossos sentimentos ocultos e contraditórios ganham permissão para conviverem. É quando a raiva e o amor deitam-se na mesma cama, o ódio e a compaixão sentam-se à mesma mesa, a dor e o prazer dão-se às mãos no sofá.

Somos perversos e adoráveis, somos amorosos e cruéis. Mas temos uma natureza preponderante, essa que postamos no Facebook e Instagram, essa que nos acompanha ao escritório, nas ruas, no shopping.

Somos reconhecidos como pessoas perfeitamente adequadas, equilibradas. Poucas são as testemunhas oculares das nossas convulsões internas, quase ninguém conhece a fundo nossas contradições.

O brutal pode vir acompanhado de extrema excitação. É a contradição que a moça agredida revelou às claras, sem nenhuma espécie de censura ou pudor. Ela despiu-se das camadas que revestem nossa pretensa normalidade e deixou a plateia perplexa e, ao mesmo tempo, embaraçada.

Exibiu sua instabilidade para as lentes dos fotógrafos, demonstrou o efeito tirânico de uma relação abusiva para os jurados e para quem mais quisesse ver – só que nunca queremos.

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