“Ensino remoto está longe do que as crianças precisam”

| 26/04/2021, 07:54 07:54 h | Atualizado em 26/04/2021, 08:07

srcset="https://cdn2.tribunaonline.com.br/prod/2021-04/0x0/paulo-fochi-b0ad695731250c736123b5fa8720eb18/ScaleUpProportional-1.webp?fallback=%2Fprod%2F2021-04%2Fpaulo-fochi-b0ad695731250c736123b5fa8720eb18.jpeg%3Fxid%3D170645&xid=170645 600w, Paulo Fochi é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).
Embora cumpra papel importante de manter o vínculo com a escola, o ensino remoto está longe de oferecer o que as crianças – em especial da educação infantil – precisam para o desenvolvimento integral deles, afirma o doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) Paulo Fochi.

O pesquisador entende que o cenário pandêmico impede o retorno às atividades escolares presenciais no momento e destaca que é hora de planejar a viabilização da volta às escolas para assim que for possível.
“Não existe possibilidade de imaginar ensino híbrido na educação infantil (crianças de até 6 anos) e fundamental 1 (até 11 anos)”, enfatiza o doutor.

“O que os professores fizeram no último ano foi de uma imensidão. Mas, apesar de todo o esforço, não chega perto do que a escola representa como espaço de encontro social, e de proteção, cuidado e atenção”, acrescenta.

A Tribuna – Qual o seu entendimento sobre a possibilidade de retorno ao ensino presencial neste momento?

Paulo Fochi – Com certeza, não é momento para retorno às escolas. Estamos em uma situação muito séria e grave. Sou radicalmente contra as duas polarizações: a negacionista, que diz que a escola deve ficar aberta a qualquer custo; e a de retornar só quando todos estiverem vacinados, pois isso vai demorar muito a acontecer.

O ensino remoto tem atendido à necessidade das crianças?

Cada etapa tem especificidades. Não há possibilidade de imaginar ensino híbrido na educação infantil e fundamental 1.

O que os professores fizeram no último ano foi de uma imensidão. Mas, apesar de todo o esforço, não chega perto do que a escola representa como espaço de encontro social, e de proteção e atenção.

É óbvio que as crianças tiveram aprendizado, mas foi minimizado, e ficaram lacunas que só a escola pode preencher. Tem se trabalhado com redução de danos, mas sabendo que nem de perto atende ao que as crianças precisam.

Essas lacunas existem apenas para as crianças em vulnerabilidade ou até para as que têm boa infraestrutura?

O ensino é direito de todas as crianças, independentemente de classe social. Para as mais vulneráveis, a escola representa muitas coisas, como a possibilidade de alimentação e a função de rede protetiva. A vulnerabilidade não é apenas pelas condições financeiras. Acontece de crianças de classe alta que são vulneráveis pela displicência e negligência da família.

A escola como equipamento onde há maior contato e socialização com seus usuários é a primeira a detectar violência. A educação infantil não se reduz a um conjunto de aulas. Há o compromisso com o desenvolvimento integral.

Por que a limitação do ensino remoto é maior com crianças menores?

Crianças do ensino infantil e do fundamental 1 têm dependência para o uso de equipamentos que possibilitam o acesso à escola e aos professores, então elas ficam mais dependentes de adultos.

Como foi feita uma escolha como sociedade de abrir a economia, os pais estão trabalhando, então muitas crianças não têm auxílio para acessar ferramentas online.

Além disso, não há como a escola cumprir remotamente o seu papel social.

Em outros níveis de ensino, como no superior, conseguimos adaptar para o trabalho remoto e contar com os alunos para dar conta dos objetivos. Estudantes mais velhos têm mais autonomia.

O que deve ser feito de imediato?

Temos que resgatar crianças que não estão conseguindo estar em contato com escola. Temos que discutir que já tivemos oportunidade de retornar ao presencial em setembro e outubro do ano passado, que teve um período de três semanas com a curva de casos de Covid-19 em declínio e sinalizando estabilização. Essa é uma forma de imaginar o retorno seguro.

O problema é haver distinção entre o retorno na rede pública e o na rede privada, que é o que cria um gap de oportunidades grande para crianças. Isso é muito sério e não podemos naturalizar o fato de a rede privada ter estrutura para voltar, e a pública, não. Este não é o momento para volta, e sim de pensar a viabilidade do retorno.

Quais pontos devem ser trabalhados para viabilizar a volta ao ensino presencial?

Adequar a estrutura das escolas, podendo até discutir o que fizeram as escolas que tiveram condições de retornar no passado. Fazer uma enorme campanha de vacinação dos professores; não por idade, e sim, idade por etapa de ensino que deve retornar primeiro, porque não existe possibilidade de se imaginar ensino híbrido na educação infantil e no fundamental 1.

Na volta ao presencial, não adianta escalonar, pois não é funcional para as famílias e nem a criação de vínculo entre aluno e escola funciona. Aconselho usar estratégia de redução de turnos. Ou seja, reduzir a carga horária e pensar em aula todos os dias.

Cada escola precisa olhar para suas necessidades e dizer o que precisa, demandar gestores e mantenedores a fazerem adequações e dizer qual a capacidade de atendimento.

Muitas crianças não vão voltar no primeiro momento, então é preciso pensar em alternativa para esses alunos. Por outro lado, muitas vão querer voltar e a escola não terá capacidade de atendimento. Isso nos mobiliza a pensar em estratégias pra atender essas crianças. Ter amplo diálogo com a sociedade e os espaços no entorno das escolas, onde as aulas poderiam acontecer em espaços externos.

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