Prenúncio nuvente

| 23/05/2021, 12:02 12:02 h | Atualizado em 23/05/2021, 12:04

srcset="https://cdn2.tribunaonline.com.br/prod/2020-05/372x236/carlos-nejar-fc6460baeeed2bcdee00b56a1b5efad4/ScaleUpProportional-1.webp?fallback=%2Fprod%2F2020-05%2Fcarlos-nejar-fc6460baeeed2bcdee00b56a1b5efad4.jpeg%3Fxid%3D174063&xid=174063 600w, Carlos Nejar
A Nuvem Letícia me apareceu na sacada de meu apartamento, depois de longo silêncio. E é como posso ver a palavra e a palavra me vê.

- Estou aqui pela palavra, disse. Não pelo silêncio.
- Como?
- Sim, no silêncio é que pude contemplar o inseto invisível que ataca o mundo.
- E o motivo?
- Vou queimar na nuvem o inseto!
- Insisti: - Letícia, e a vacina?
- Quando chegarem todas as doses para o povo, não haverá mais o vírus! E além disso, o vírus acaba o vírus.
Não entendi. Todos usamos máscaras, ficamos reclusos, evitando o aglomeramento...
- São sábias medidas da ciência!, retrucou Letícia.
Mas minha ciência é outra. Há um fogo em mim que inventa o tempo.
- Um novo tempo?
- Sim. E a luz não é do tempo, é da palavra. Eu sou palavra quando sonho.
- Ninguém sonha sozinho: a palavra sonha junto.
E a Nuvem Letícia sorriu. Estava saudoso de sua presença. Ou do assombro de vê-la branca, e os dentes e olhos puros, brilhando.
E ficamos sabendo que o tal de vírus foi queimado e extinto.
- Muitos morreram e nós choramos os mortos.
Mas é preciso viver. E, se a palavra vive, nós vivemos.
- Todos juntos na palavra!, exclamou Letícia. E o que se crê, já começa a existir.
E vi que a Nuvem me abraçou. Com a palavra que derramava luz.

Carlos Nejar é escritor da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filosofia.

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