“O preconceito existe por falta de informação”, diz especialista
Evidências de benefícios da cannabis medicinal estão cada vez mais comprovadas em pesquisas científicas
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As evidências de benefícios da cannabis medicinal em muitas doenças estão cada vez mais comprovadas em pesquisas científicas. Mas o acesso dos pacientes ao remédio ainda é um obstáculo que, segundo os especialistas, tem raiz, principalmente, na falta de informação, que, por sua vez, reforça o preconceito.
“O preconceito existe por falta de informação. Para uso terapêutico, usa-se apenas o canabidiol isolado. O medicamento não vicia, não causa dependência, porque não é maconha. É uma substância extraída dela. O preconceito existe porque muitas pessoas não possuem esse entendimento e não fazem essa diferenciação”, explica o psiquiatra Jairo Navarro.

Confundir a maconha para uso recreativo com o cannabis medicinal é um dos principais fatores de preconceito, observa o biotecnólogo Gabriel Barbosa, supervisor de assuntos regulatórios da HempMeds.
“O preconceito ainda existe por causa da relação com o uso recreativo da maconha, que ainda é ilegal no Brasil. No entanto, é importante destacar que as doses administradas pelos pacientes não causam os efeitos psicoativos conhecidos da maconha”.
Até mesmo dentro da classe médica, a desinformação prejudica a prescrição desse tipo de tratamento, como pontua a neurocirurgiã Patrícia Montagner, fundadora da WeCann Academy.
“Esse é um conteúdo muito novo para os médicos. As escolas de medicina e especialidades médicas não abordam esse assunto, que tem um raciocínio bem distinto das prescrições convencionais. Ainda há muitos médicos que confundem o uso recreativo do uso medicinal, que são duas formas bastante distintas da planta”.
A médica esclarece que, em ambiente medicinal, a toxicidade, ou seja, a sensação de “barato”, não acontece. “Do lado medicinal dos usos da maconha, há pesquisas, ciência, metodologia, assertividade e segurança com toda estratégia terapêutica para aplicar”.
É imperativo que o preconceito seja deixado de lado para que mais pacientes tenham acesso ao tratamento que estão vinculados às políticas de saúde, como ressalta a advogada Kelly Andrade.
“É uma questão de política pública, do Estado compreender que o combate às drogas é diferente do uso do medicamento. Enquanto o Estado não se propor a isso, o Judiciário será abarrotado de ações desse tipo”, avalia e advogada.
AS REGRAS
Autorizados pela Anvisa
- A resolução RDC 327/2019 criou uma nova categoria de produtos chamada “produtos derivados de cannabis”. A categoria tem finalidade terapêutica, mas não é considerada medicamento.
- Isto foi feito porque, mesmo com pesquisas científicas e evidências, os produtos com cannabis ainda não cumpriram com todos os requisitos para o seu enquadramento como medicamento, de acordo com o órgão.
- Hoje, são liberados 14 produtos derivados de cannabis. Cinco são à base de extratos de cannabis sativa e 9 do fitofármaco canabidiol. A indicação de cada um é definida pelo médico, de acordo com o quadro do paciente.
- O Mevatyl é o único à base de canabidiol que tem a classificação de medicamento. Ele se apresenta como spray para melhoria dos sintomas de pacientes adultos com espasticidade moderada a grave devido à esclerose múltipla.
Prescrição e venda
- Os medicamentos e produtos derivados de cannabis aprovados são vendidos nas farmácias com receituários médicos especiais, tipo B, o mesmo usado para a compra de clonazepam (Rivotril).
- Para a compra na farmácia, a prescrição não pode pedir que o composto tenha mais de 0,2% de THC. Os medicamentos da farmácia são proibidos de ter mais desse fitocanabinóides em sua composição. Tais produtos custam, em média, R$ 2 mil.
- Se o médico definir que a concentração de THC tem de ser maior, o paciente terá de importar o medicamento. Para a importação, é necessário ter receita especial, amarela, além de uma autorização da Anvisa, que é feita no site do órgão. Não há definição de concentração para a importação do produto derivado de cannabis, para uso próprio, nos termos da RDC 335/2020.
Dados sobre o tratamento à base de cannabis medicinal
- Segundo a Anvisa, em 2021, foram autorizadas 40.191 importações desses itens, ante 19.150 em 2020, um aumento de 109,8%.
- Atualmente, o Espírito Santo fornece produtos à base de canabidiol, via ordem judicial, a 33 pacientes.
- Esses tratamentos são considerados de alto custo e o valor gasto pelo Estado com aquisição de produtos à base de canabidiol em 2021 foi de R$ 2.225.296,49.
- Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) disse que a maioria dos produtos à base de cannabis não está registrada como medicamento na Anvisa. “Desta forma, em termo de acesso a estes produtos, pautado na legislação vigente e na medicina, até o momento, não há força de evidência que justifique o seu fornecimento no âmbito do SUS pelo Estado”.
Fonte: Anvisa, Secretaria de Estado da Saúde e especialistas consultados.
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