Maioria dos adolescentes joga para esquecer problemas
Pesquisa revelou que 57% dos adolescentes já recorreram aos jogos eletrônicos com esse objetivo e 28% fazem uso de forma excessiva
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Tensões, problemas e mudanças são inevitáveis na adolescência. Esta fase é tão difícil de lidar que 57% dos adolescentes brasileiros já recorreram aos jogos eletrônicos para esquecer problemas, aponta uma pesquisa. Especialistas alertam, contudo, que esse escape pode ser perigoso.

A pesquisa foi realizada pela Universidade de São Paulo (USP), que constatou, ainda, que 28,1% dos adolescentes do País já fazem uso excessivo dos jogos eletrônicos.
O problema se repete em todo o mundo. Desde fevereiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) oficializou o “distúrbio de games” como uma doença.
O médico psiquiatra Jairo Navarro explica que o vício em jogos eletrônicos ocorre quando a rotina do adolescente se limita em torno da dependência, ou seja, a pessoa deixa de ter uma rotina comum. Alguns reflexos, por exemplo, estão na sociabilidade e no desempenho escolar, explica.
“A dependência ativa o centro de prazer cerebral e provoca um circuito de recompensa. Quando o adolescente está jogando, há sensação de satisfação e de alívio de sintomas ruins da abstinência. Em geral, são jovens com menos convívio social e menos tempo de estudo por conta dos jogos”.
Buscar interesses para relaxar e aliviar as pressões do dia a dia é perfeitamente saudável. O problema está quando a “fuga” é automática, inconsciente e prejudicial às esferas da vida, como trabalho, estudo e vida social, explica a psicóloga clínica Monique Nogueira.
“A pandemia tem influência no crescimento da dependência em jogos eletrônicos. Todos precisam de uma fuga, só que consciente. Quando o escapismo se torna automático e o adolescente não consegue lidar com a falta, há uma dependência, que afeta o sono, a convivência social, o desempenho escolar e causa até sofrimento”.
Compreensão, escuta ativa e condução de limites. As intervenções dos pais devem orientar os adolescentes à reflexão do problema, com atenção aos motivos apresentados e estratégias para promover o prazer no convívio familiar e social, analisa a psicóloga Lana Francischetto.
“É preciso construir uma comunicação de qualidade, com um escuta que promova segurança para o adolescente se sentir ouvido. As famílias podem, a partir disso, criar estratégias para vivenciar mais momentos juntos, praticar atividades do dia a dia, como brincar e fazer passeios. Se já houver um caso grave, é fundamental buscar tratamento”.
Isolamento
Por trás da porta do quarto, os olhos estão atentos à tela, enquanto as mãos passeiam pelo controle remoto. De sexta à noite até o fim do domingo, essa viagem fantasiosa isola um estudante de Vitória, de 14 anos, de vivenciar a adolescência.
A mãe e dona de casa, de 33 anos, conta que os jogos eletrônicos são o único lazer do adolescente, diagnosticado com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Limites de uso e propostas de práticas de lazer, como futebol e basquete, começam a transformar esse cenário, conta a mãe. “Conversamos sobre o problema e, hoje, há um limite maior e abertura a outras atividades, mas é uma situação difícil”.
Dependência em games pode ser sinal de transtornos
Ainda que não haja um único perfil entre aqueles que vivenciam a dependência dos jogos eletrônicos, adolescentes com transtornos mentais são mais suscetíveis ao problema, apontam especialistas.

O médico psiquiatra Jairo Navarro analisa que, hoje, ninguém é totalmente livre de desenvolver a dependência, mas há transtornos mentais que aumentam a propensão a vários tipos de dependência.
“Todas as crianças e adolescentes podem ter o problema. Há, contudo, questões de saúde que ficam em torno da dependência de jogos, como a depressão, a ansiedade, o transtorno bipolar e o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Eles provocam uma suscetibilidade maior à dependência”.
Em outros casos, a própria dependência pode levar a outras questões sérias de saúde mental, conta a psicóloga Monique Nogueira.
“O vício nos jogos eletrônicos pode levar à depressão, além de condicionar o corpo a depender dos estímulos de prazer do vício. É importante entender o estilo de vida de cada pessoa e investigar o que a levou a jogar, ou seja, o que ela quer suprir com os jogos”.
A psicóloga Lana Francischetto reitera que as famílias precisam se atentar aos sinais e, caso sejam detectados, é necessário buscar ajuda de médicos e psicólogos. Quando avançados, os sintomas se agregam e se tornam uma questão ainda mais grave, explica.
“O isolamento e utilização dos jogos como válvula de escape, de modo excessivo, podem levar a transtornos ansiosos e depressivos e ao distúrbio do sono. Quando não percebidos pelas famílias, esses sintomas podem se agregar e construir problemas graves de saúde mental”.
Saiba mais:
Pesquisa
Realizada pela Universidade de São Paulo (USP), uma pesquisa constatou que 57% dos adolescentes já jogaram para esquecer ou aliviar problemas da vida real.
O estudo constatou, ainda, que 28,1% dos adolescentes do País já fazem uso excessivo dos jogos eletrônicos.
Vício
Quando os jogos eletrônicos interferem no dia a dia do adolescente, com prejuízos à vida social e familiar, ao desempenho escolar, à estabilidade do humor, à comunicação e ao sono, há uma dependência. Os jogos se tornam, geralmente, o mundo em que o adolescente “habita” na maior parte do tempo.
O vício nos jogos eletrônicos pode levar à depressão e à ansiedade. É importante diagnosticar o que a levou cada pessoa a jogar, ou seja, o que ela quer suprir com os jogos.
Em alguns casos, a dependência é uma expressão conjunta a outros transtornos mentais, como o transtorno bipolar e o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), por exemplo.
Tratamento
O tratamento inclui atendimento médico para indicação de medicamentos e psicoterapia. A evolução do tratamento depende de cada caso e, por isso, não há média de tempo.
Fonte: Universidade de São Paulo (USP) e especialistas consultados.
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