Aposentada de 69 anos vira a “DJ Mamis do Vinil”
A ex-cozinheira agora se apresenta quase todos os finais de semana em diferentes eventos
Uma paixão antiga por discotecagem virou de cabeça para baixo a vida da cozinheira aposentada Rose Gomes, que completa 70 anos no mês que vem. Moradora do bairro Jesus de Nazareth, em Vitória, ela decidiu se tornar a “DJ Mamis do Vinil”, no final do ano passado.
Essa ligação com a música começou em 2017, quando Rose passou a ter aulas com um namorado da época, que era DJ profissional. Naquele ano, ela ainda trabalhava como cozinheira, em uma casa na Ilha do Boi, também na capital.
“Fiquei tão empolgada que comprei um aparelho para continuar treinando. Ele reclamou muito, dizia que eu não poderia tocar. Mas, entre continuar no relacionamento e investir no meu sonho, preferi ser DJ”, relembra.
Mesmo com o pouco tempo de prática, ela foi chamada para tocar na Matrix Music Hall, em Cariacica, onde fez a sua estreia. Embora não soubesse, Rose acabou se apresentando para mais de 1 mil pessoas.
“Quando acabei de tocar, um dos produtores disse que eu estava participando de uma live e que DJ's do País inteiro me viram e estavam dando apoio. Comecei a tremer e a chorar de emoção”, diz.
A partir daquele dia, ela resolveu nunca mais parar. Hoje, a DJ se apresenta quase todos os finais de semana, em diferentes eventos e clubes de pessoas que também são apaixonadas por toca-discos.
Entre os artistas que sempre fazem parte da sua playlist, estão aqueles que mais fizeram sucesso nas décadas de 70 e 80, como Michael Jackson, Queen e Madonna.
“De forma geral, meu público é formado por idosos, mas cada vez mais jovens estão se interessando pelo 'flashback'. Todo mundo cai na pista quando eu toco, e eu danço junto. De certa forma, virar DJ me rejuvenesceu”, diz.
Por já não se ver longe dos palcos, agora, Rose pretende conseguir equipamentos que a ajudem a transformar de vez o hobby em profissão. “Já perdi várias oportunidades por não ter amplificadores e computadores bons. E eles são caros, custam mais de R$ 3 mil. Se Deus quiser, vou conseguir”, conta.
Quem mora com Rose e aprova a carreira da mãe é a cabeleireira Adriana Gomes, de 49 anos. “No início, as pessoas não davam oportunidades, seja pela idade ou pela falta de experiência. Foi um período difícil, mas eu sempre a incentivei. É muito bom vê-la feliz. Aonde eu vou, faço questão de falar que minha mãe é DJ”, frisa.
"No início sofri muito preconceito"
A Tribuna – Como surgiu esse desejo de discotecar?
rose gomes – Eu sempre gostei de dançar e de música. Desde a juventude, já tinha esse vínculo com a arte. Desfilei, por exemplo, oito anos na Mocidade Unida da Glória (MUG), em Vila Velha. Quando ia aos eventos, ficava observando os DJ's enquanto eles tocavam e pensava “também quero estar ali”.
Mas foi quando meu ex-companheiro, DJ profissional, me ensinou, que comecei a me desafiar. Surgiu a oportunidade de comprar a aparelhagem e, a partir dali, fiquei apaixonada.
Seus amigos e familiares te apoiam?
Sim. Minha filha e meu neto, que moram comigo, até me acompanham em alguns eventos. Eles me incentivam muito e me ajudam, algumas vezes, a montar minha sequência. São meus companheiros para todas as horas.
Antes da música, qual era a profissão da senhora?
Primeiro, eu era manicure. Trabalhei 38 anos como manicure e 18 como cozinheira, em uma casa na Ilha do Boi, em Vitória. Vai fazer dois anos que eu me aposentei.
Qual o poder da música na sua vida?
Sinto como se eu estivesse cumprido minha missão. (Quando subo no palco), parece que eu estou flutuando. É aquele alívio, aquela tranquilidade. Gosto de me divertir, dançar e de ter essa experiência mais próxima com a música. Acho que ela acabou me rejuvenescendo, de alguma forma.
Alguém já foi preconceituoso com a senhora, por causa da sua idade?
No início, sofri muito preconceito de outros DJs. Já ouvi algumas vezes que era velha demais para aquilo. Mas, hoje, graças a Deus, eu represento a mulher capixaba que gosta de vinil e me sinto muito orgulhosa por causa disso.
Hoje em dia, eu estou tocando todo final de semana, às vezes no sábado e domingo. Participei de várias lives também, que bombaram.
O que falta para conseguir se profissionalizar?
Atualmente, discotecar está sendo um hobby, mas eu quero ter meu equipamento completo para ser uma DJ contratada. Como sou aposentada e moro de aluguel, fica difícil de conseguir. São equipamentos caros, que custam mais de R$ 3 mil. Já perdi oportunidade em casamentos e aniversários, porque não tenho o equipamento adequado.
As músicas mais tocadas
Nacionais
- Erasmo Carlos: Mesmo que Seja Eu (do disco “Amar Pra Viver, Ou Morrer De Amor”, 1982)
- RPM: Rádio Pirata (do disco “Rádio Pirata ao Vivo”, 1986).
- Dr. Silvana & Cia: Serão Extra (do disco “Dr. Silvana & Cia”, 1985).
Internacionais
- Madonna: La Isla Bonita (do disco “True Blue”, 1986)
- Patrick Hernandez: Born To Be Alive (“Born to Be Alive”, 1979).
- Cyndi Lauper: Girls Just Want To Have Fun (do disco “She's So Unusual”, 1983)
- Michael jackson: Smooth Criminal e Bad (do disco “Bad”, 1987).
- Queen: Crazy Little Thing Called Love (do disco “The Game”, 1979)
- Culture Club: Karma Chameleon (do disco “Colour by Numbers”, 1983).
“A terceira idade nunca esteve tão cheia de energia”
Histórias de capixabas que partem em busca da realização pessoal, como é o caso da DJ Rose Gomes, que vai completar 70 anos no mês que vem, é um exemplo de como a terceira idade tem se rejuvenescido cada vez mais.
Para a psicóloga e analista de desenvolvimento da Selecta, Luciana Baraviera, isso é resultado de uma mudança de comportamento na sociedade, que passou a tratar os idosos com menos preconceito nas últimas décadas.
“Antes, com 50 anos, as pessoas já eram consideradas 'velhas', tanto nas relações sociais quanto para o mercado de trabalho. Mas, hoje em dia, a terceira idade nunca esteve tão cheia de energia”, frisa.
Um dos principais motivos para essa mudança de mentalidade, segundo ela, é o fortalecimento das redes sociais e de uma melhor qualidade de vida nessas faixas etárias. “Os idosos saíram de um lugar de passividade para quebrar esses estereótipos de que são 'descartáveis”, salienta.
A psicóloga Marina Miranda explica ainda que a pandemia veio para potencializar uma vontade nos indivíduos, principalmente aqueles mais idosos, de correrem atrás dos próprios sonhos pessoais e profissionais.
“Essa é uma idade em que as pessoas vão realizando coisas que não tinham a possibilidade de fazer antes, por falta de oportunidades ou alguma amarra social. Eles começaram a buscar uma vida que faça mais sentido”, comenta.
Ela orienta que, durante a aposentadoria, os idosos busquem uma atividade que gostem de praticar, para não sofrerem com transtornos emocionais.
“Os índices de depressão são altos nesse momento da vida. Buscar atividades que esse idoso goste de fazer, que lhe dê prazer, é muito importante”, aconselha.
Comentários