Muito se discute atualmente sobre a censura a exposições de arte e outras formas de expressão artística. Faz-se necessária uma reflexão sobre a essência do papel da arte, já que a arte é a ruptura com o real; é a expressão humana em abstração da realidade, mesmo quando relacionada à vida real, como num documentário cinematográfico, ou mesmo nas expressões simbólicas da arte rupestre, por exemplo, em que os artistas retratavam caçadas, rituais exotéricos e o sexo.
A pintura rupestre não era o simples registro do real, mas uma leitura – ou ruptura – dele. Essa ruptura com o real é que faz da arte uma expressão provocadora que causa diferentes reações e entendimentos.
Ela pode provocar enlevo, embevecimento pelo sublime, revolta, reflexões sociais, irritação, enfim, toda sorte de sentimentos e leituras sobre quadros, instalações, fotografias, esculturas, filmes, peças de teatro, música, poesias, livros, culinária, artes visuais, danças, moda.
Imaginemos o mundo por uma semana sem nenhuma manifestação artística, em pleno silêncio, sem cor e sem gosto. Basta que imaginemos isto para entendermos que vivemos e trabalhamos para consumir essas coisas, e não apenas sobreviver para acumular.
Imaginemos, também, o pior: um mundo em que todas essas expressões fossem previamente definidas em suas temáticas e formas de apresentação, de acordo com os interesses e pensamentos de grupos políticos e/ou religiosos que fossem a maioria de um governo, e estabelecessem uma receita, uma regra de censuras que determinasse o que pode ou não ser expressado pela arte.
A censura não mede a arte, mas a reduz, limita a expressão, poda a liberdade de se romper com o real para se criticar ou enaltecer. Mais do que isso, impede o elemento mais importante da arte que é o imprevisível olhar do outro, o olhar que completa o teor de provocação que a arte produz. O que a mim pode parecer pudico, ao outro pode ser permissivo. O nu pode ser o belo, ou a afronta.
Proponho uma reflexão crítica que nos leve a mensurar e compreender que a supremacia moral ou de costumes não pode se traduzir em imposição de regras que não sejam democráticas em sua plenitude. Ou seja, é necessária a liberdade de cada pessoa à crítica, para o bem ou para o mal, de poder usufruir da arte ou de escolher nem mesmo conhecê-la, sem imposições.
Sabemos que o problema não está no vinho, mas em quem o bebe e o quanto bebe. A arte é o baluarte da democracia; algemá-la é promover a massificação irreal, sem ruptura com o real. Seria a construção de outro hiper-real, moldado, represado, intencional, sem permitir o olhar do outro.
Censurar a arte é encerrar o processo evolutivo humano, pois é a partir dela que construímos a nossa civilização.
A tinta nasceu juntamente com os machados de pedra; se retirarmos a tinta de nossa história, teríamos somente o horror da guerra, e talvez nem mesmo a raça humana caminhasse por este mundo.
Defender a liberdade da expressão artística é, dessa forma, defender a nossa civilização, no que há de padecimento ou de alumbramento nela. A censura da arte é uma mordaça nos saltos civilizatórios do homem. Seria como abolir o calor do sol para se ficar apenas com seu brilho. Ou o contrário, e muito pior: ficar apenas com o calor e absolutamente sem a luz.
ROGÉRIO BORGES é secretário de Cultura da Ufes
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