A grande virada
O calendário atual, como conhecido no Ocidente, foi elaborado por uma comissão de cientistas católicos, a partir de 1577... Depois foi adornado com dias dedicados aos santos e datas históricas. Uma bela sacada para não deixar que hoje seja tão somente um dia perdido no tempo e sem significado
Não importa se foram os sumérios, caldeus ou romanos que inventaram o calendário. O que importa mesmo é que esta foi a primeira e mais genial sacada do capital: renova tudo outra vez e sempre, a cada 365 dias. Olha a lógica do consumo aí aplicada e replicada em ampla dimensão. Nenhum geniozinho de mercado formado em Harvard ou megainvestidor de Wall Street poderia fazer melhor.
A cada naco do tempo cronometrado, volta o Natal, a virada do ano, os aniversários, as grandes datas festivas – dia do pai, da mãe, namorados etc. A repetição roda a engrenagem.
O calendário atual, como conhecido no Ocidente, foi elaborado por uma comissão de cientistas católicos, a partir de 1577, quando o papa Gregório XIII ajustou o calendário Juliano, de Júlio Cesar, que vigorou por mais de 1.500 anos. Depois foi adornado com dias dedicados aos santos e datas históricas. Uma bela sacada para não deixar que hoje seja tão somente um dia perdido no tempo e sem significado. Ou que se torne um tosco calendário, como o do náufrago da ilha a marcar a passagem dos dias riscando a parede da caverna.
Outra bela sacada, esta relacionada à História, surgiu com o advento do Natal. É o nascimento de Cristo, pobrezinho, naquela manjedoura, filho de carpinteiro, e que depois se relacionaria com pescadores, gente humilde, lazarentos e prostitutas. Finalmente pessoas comuns e excluídas viraram protagonistas de uma grande história humanista, messianismo à parte. Até então, as histórias – narradas ou escritas – sempre eram protagonizadas por deuses, heróis, reis, súditos, princesas, filósofos, artistas. O povo comum, quando muito, era mero coadjuvante a ilustrar passagens.
Depois, bem depois o Tio Sam caprichou nos adornos da data e a transformou num grande templo do consumo. Ainda hoje – verão de torrar miolos – aqui somos induzidos a imaginar neves, trenós, chaminés, roupas pesadas e a consumir toda aquela comida nada afeita ao nosso clima. Resta agora saber até quando o verdadeiro espírito da festa cristã resistirá nesses tempos de fundamentalismo? O Natal virou outra sacada do capital explorando a fraternidade dos humildes e a fantasia das crianças. Caetano Veloso, num daqueles discos antigos, cantou resumindo: “Alegres ou tristes, somos todos felizes durante o Natal”.
Naturalmente, a cada Natal mais crianças descobrem a verdade sobre Papai Noel. Algumas ficam chocadas inicialmente, outras já desconfiavam daquilo. E depois essa criança também cresce, um dia tem filho e aí não sabe se alimenta ou não a fantasia do “bom velinho”. Na dúvida, e como a data virou uma poderosa convenção de mil apelos, embarca na história do trenó, das renas, a cartinha dos desejos posta à janela e tal. E a cada Natal, paira nos lares a dúvida atroz. Qual a idade e momento ideal para contar às inocentes crianças a verdade sobre Papai Noel? Nem sempre o tempo é o senhor da razão. E logo, logo, vamos virar o calendário e começar tudo de novo.
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